Como é que dez bebés desaparecem e como continua o editor do Pretoria News Piet Rampedi a insistir que houve uma gravidez de, pelo menos, oito bebés, quando não há registo de nenhum parto do género em nenhum hospital sul-africano? É certo que o jornalista já veio pedir desculpa pela forma como tratou a história, mas continua a afirmar que a gravidez foi real.
Mas recue-se um pouco no tempo para compreender o enredo: no início de Junho, o mundo ficou fascinado com a história de Gosiame Sithole e Tebogo Tsotetsi, que tinham acabado de ser pais de dez bebés, nascidos num hospital privado de Pretoria, segundo o jornal Pretoria News. A gravidez seria de oito fetos, mas na altura do parto o casal teria sido surpreendido com o nascimento de mais dois.
Até aqui, poucas dúvidas: é comum nas gravidezes de múltiplos ser complicado detectar várias situações e, no meio de tanto bebé, não era propriamente estranho haver dois “escondidos”. Problema: ninguém conseguia confirmar junto de qualquer instituição de saúde a existência dos décuplos.
Ainda assim, talvez levado pela euforia de uma boa notícia no meio de uma pandemia, que tem sido particularmente agressiva no país africano, o mundo optou por um acto de boa-fé, sobretudo depois de o presidente executivo da Independent Media, proprietária do Pretoria News e do Daily Voice, as únicas publicações que tiveram acesso à informação sobre os bebés, dar um milhão de rands (quase 60.400€) à família. O filantropo Iqbal Survé anunciou a doação com o pai das crianças ao seu lado, que se deslocou à Cidade do Cabo para tal.
Pelas redes sociais, as acções de solidariedade multiplicaram-se, e muitos cidadãos decidiram contribuir para um bolo que tinha como objectivo apoiar os pais dos recém-nascidos, sobretudo depois de a antiga política e activista Lindiwe Mazibuko sugerir um #NationalBabyShower. Ao mesmo tempo, muitas empresas responderam ao chamado: pela responsabilidade social e aproveitando o golpe de marketing (uma empresa de enlatados, por exemplo, ofereceu um ano de conservas de peixe).
Ao mesmo tempo, alguns membros do Governo da região teimavam que não havia indícios da existência dos bebés, enquanto várias entidades juravam a pés juntos que era verdade e que a mãe estava em segurança, e até o presidente da Câmara de Ekurhuleni, município na mesma região, usou o Twitter para garantir a veracidade da história. Mzwandile Masina escreveu: “Encontrámos a família e soubemos que os bebés estão bem”.
O balde de água fria chegou pouco depois, com um comunicado da família do pai que, afinal, já era casado com outra mulher: “Tebogo confirmou que não viu os décuplos, tendo confiado na namorada que lhe ligou para informar do nascimento. Ele fez várias tentativas para visitar a namorada e os bebés, mas ela não revelou o local onde está nem as condições dos bebés”.
Perante isto, a família exortou a que o “público pare as doações em dinheiro para qualquer conta bancária para os décuplos”. “Agradecemos o interesse e o apoio do público em relação aos décuplos, mas, sem qualquer prova das suas existências, acreditamos firmemente que é do interesse de todos concluir que não existem até prova em contrário. Vamos agora dedicar-nos a encontrar Gosiame Sithole, rezando para que volte em segurança.”
Isto porque foi, entretanto, noticiado que alguém da família da alegada mãe tinha participado o seu desaparecimento numa esquadra de polícia, mesmo depois de o Departamento para o Desenvolvimento Social local ter emitido uma breve declaração em que se lê que sabiam do paradeiro de Gosiame Sithole.
Só que, dias depois, testemunhas vieram a público dizer que Gosiame tinha sido detida no âmbito da Lei de Cuidados de Saúde Mental, que permite que as autoridades mantenham alguém durante 72 horas para que se faça uma avaliação psiquiátrica, uma informação, entretanto, confirmada pelo advogado da mulher. As mesmas pessoas que passaram esta informação relataram que a mulher não mostrava nenhum sinal de ter estado recentemente grávida nem de ter passado por um parto nas últimas duas semanas.
Aliás, segundo notícias locais, um exame médico realizado no Hospital de Tembisa, em Gauteng’s East Rand, concluiu que “não houve uma gravidez”. “[O exame] também mostrou que não há quaisquer marcas físicas que indiquem a realização de uma cesariana recente.”
O recorde de mais crianças nascidas em um único parto a sobreviver pertence a Nadya Suleman, que teve oito bebés, em 2009, nos EUA, enquanto o recorde de mais crianças nascidas num único parto está registado desde 1971, quando a australiana Geraldine Brodrick teve nove bebés (todos morreram em menos de seis dias). No entanto, já este ano, a malaia Halima Cissé teve nove bebés, em Marrocos, e aguarda pelo reconhecimento do Livro Guinness dos Recordes, que, segundo a AP, disse estar a seguir o caso. Para já, todos os nascidos encontram-se estáveis.