O mundo actual expõe-nos a uma forma de conversar tecnológica, a uma forma de estar tecnológica e a uma forma de trabalhar mais tecnológica ainda. Mas tecnologicamente falando haverá algo que se perde neste modelo?
Segundo o estudo Misturar o presencial e o virtual: um modelo híbrido para o futuro do trabalho há um “potencial inexplorado” nesta forma de laborar. Ainda segundo a mesma análise, e pensando em equipas, existe uma redução do bem-estar percepcionado por um trabalhador se este for o único da sua equipa nesse regime, enquanto existe um benefício por parte de outros colegas que estejam a trabalhar no modelo presencial. Porquê? Quem está no modelo presencial tem mais controlo sobre o processo, pode comunicar com os chefes sobre a evolução do trabalho e, mais importante que tudo, pode desenvolver com estes relações informais, humanas, reais.
Há mais que podemos dizer sobre os efeitos do teletrabalho nas equipas, sendo que o estudo propõe que a União Europeia adopte um acordo-quadro sobre esta forma de trabalho híbrida, por forma a promover maior flexibilidade e promover o desbloqueamento de barreiras geográficas aos trabalhadores. Tudo isto, claro, garantindo um equilíbrio saudável entre o presencial e o virtual, “o direito a desligar” (já muito reclamado), desde que, e aqui é que está a essência da questão, se encontrem “formas de reproduzir a ligação entre trabalhadores e empregadores no escritório”, mas também, e acrescento, entre trabalhadores e trabalhadores, em relações espontâneas, cruciais para uma cultura organizacional sólida e saudável. Ora, será isto possível?
Vamos olhar para as pessoas como são. Seres sociais, cidadãos, membros de família, humanos. Sem querer entrar num discurso “orwelliano”, ou do “capitalismo da vigilância”, de Shoshana Zuboff, que expõe de forma astuta a existência de um habitat em que a lógica de acumulação de informação dos indivíduos (livres?) impera, vamos olhar para este mesmo habitat como aquele que está a absorver grande parte das nossas relações. Permitindo assim que cada vez mais as nossas vidas estejam a ser transformadas em dados, o que resulta num crescendo de informação que fica disponível para grandes instituições. E quanto mais tempo passamos neste habitat virtual, maior é a propensão para que este ciclo se regenere.
E onde ficam as relações humanas, pessoais e laborais no meio disto tudo? E onde fica o espaço que é reivindicado pelo estudo já mencionado, para a criação de ligações entre trabalhadores e empregadores, entre trabalhadores e colegas, no escritório? No local de trabalho? Fora dele? Dentro ou fora do ecrã?
Este é um tema muito complexo, cuja complexidade vai para lá da ambição deste texto, mas espero que o que fique aqui seja um apelo a uma nova forma de acção colaborativa, que considere o trabalhador-humano ao centro. Que considere as relações humanas ao centro. Que considere que nem tudo o que é virtual é real e que, naturalmente, nem tudo o que é real pode ser virtual. E que há um prejuízo à medida que transportamos dimensões cada vez mais amplas das nossas vidas para este outro mundo, este habitat virtual.
Há, simultaneamente, neste tempo de conectividade uma oportunidade para uma vontade de futuro mais real, mais tangível, que incorpora o digital de forma equilibrada, mas sabendo os limites que caracterizam a sua utilização. E mesmo nesta forma de trabalho híbrida, por favor, que continue a haver espaço e espaços (no escritório, em coworks, noutros lugares) para a relação pessoal, para a sociabilização, a criação conjunta que traz acção.