De que forma a comunidade LGBTQ+ (lésbicas, gays, bissexuais, trans, queer e outras identidades) pode ser considerada na criação de desenvolvimento de aplicações digitais? No mês de celebração da comunidade LGBTQ+, venho explorar este tema, que apesar de parecer ter uma estranha correlação, mostra como a tecnologia pode ter impacto nesta comunidade.
Para além de ser designer de UX/UI e ex-aluna da escola Ironhack, sou uma pessoa trans não-binária, ou seja, uma pessoa que não se identifica nem com o género masculino, nem com o género feminino (diferente da orientação sexual). Quando comecei a pensar sobre o foco deste artigo, a minha primeira ideia foi criar uma lista de dicas e boas práticas a serem consideradas no processo de criação de aplicações. No entanto, isso colocaria de lado uma necessidade muito mais importante: como é que o design de aplicações pode afectar a comunidade transgénero. Assim, com a ajuda de amigos e colegas agreguei algumas das situações que devem ser levadas em conta ao desenvolver aplicações tecnológicas.
Situação 1: É realmente necessário saber qual o género das pessoas?
Um dia, fui a uma palestra em que deram como exemplo uma criança que perguntou: “Porque é que no cartão de identificação em vez de estar presente o género não está algo muito mais prático e necessário, como o grupo sanguíneo?” Achei brilhante! Na maioria das vezes, o género é questionado apenas por questões estatísticas e burocráticas. Se realmente tivermos de o fazer, devemos ter em consideração que existem pessoas que preferem não partilhar essa informação ou que, na verdade, não se identificam com nenhum deles. Todas as pessoas com quem conversei já criaram uma aplicação ou formulário em que abordam esta questão.
Frequentemente, é questionado o sexo, quando na verdade o que se pretende saber é o género da pessoa. Deve-se sempre colocar mais opções, além dos géneros binários – homem e mulher – como não-binário, ou outro. Há também que ter em atenção que pronome deve ser utilizado para denominar cada pessoa, nunca referindo feminino, masculino ou neutro, pois nem sempre coincide.
Situação 2: Informações legais vs. informações reais
Compreendemos que existam processos que exigem que sejam fornecidos dados jurídicos, e toda a comunidade o entende perfeitamente. Porém, como os processos de alteração de género e nome demoram sempre bastante tempo, isto leva a que muitas pessoas transgénero fiquem muito tempo com dados legais nas suas documentações que não correspondem às informações reais. Nesse período, a menos que se tome cuidado com a forma como os dados pessoais são partilhados e processados, somos altamente violados e expostos. Violados, porque somos tratados com dados que não são realmente os nossos; e expostos, porque muitas vezes essas informações, que são muito íntimas, são mostradas a outras pessoas sem o nosso consentimento.
Um exemplo muito comum é o tratamento do nome. Os trans geralmente têm um “nome morto” ou deadname — nome que tínhamos antes da transição e da alteração para o novo nome. Nem todas as pessoas mudam, mas a maioria sim e, geralmente, preferimos que o nosso “nome morto” não seja conhecido nem mencionado. Como tal, deve-se deixar os dados pessoais à consideração do utilizador, sem exigir que sejam estes os dados legais e permitir a sua alteração de forma fácil e frequente. E se, nalgum momento, o serviço exigir os dados legais, é fundamental fazer uma verificação de identidade, explicando o motivo e deixando claro que esses dados não ficarão visíveis para ninguém na aplicação ou fora dela.
Situação 3: Inclusão real nas redes sociais e aplicações
Para reter mais pessoas nas redes sociais ou aplicações, todo o processo deve ser visto com os olhos de cada utilizador. Ultimamente, algumas aplicações e redes sociais para efeitos de online dating têm ampliado as possibilidades de escolha de géneros diferentes, com até 27, 31 ou 56 opções, tornando assim o acesso e integração à rede ou aplicação muito mais acessível e real. Porém, outras mantêm apenas as opções binárias.
É o que acontece com o Tinder, por exemplo, que permite escolher entre quase 30 géneros, mas depois obriga-os a aparecer nos resultados da pesquisa por outras pessoas, como homens ou mulheres. Por outro lado, o OkCupid, por exemplo, amplia as suas funcionalidades e melhora o serviço, ao permitir pesquisas por géneros específicos.
Em jeito de conclusão, estes são apenas alguns exemplos que ocorrem no dia-a-dia de uma comunidade muito diversa e cada vez mais extensa. A minha recomendação para todos os designers é que a diversidade em geral e o design em particular comecem a ser considerados por equipas que tenham pessoas que vivam nesta realidade e sejam capazes de detectar estes problemas propondo soluções baseadas não apenas na teoria, mas na própria experiência.
Como profissionais de design, tecnologia e educação, devemos sempre colocar-nos no lugar das pessoas que usam as aplicações. O design inclusivo tem o potencial de tornar uma sociedade mais respeitosa e acolhedora.