Queres açúcar? Toma arenque. Miniaturista, uma mini-série entre o doce e a abstinência
Anya Taylor-Joy antes de Queen’s Gambit, numa série de época que começa como um casamento combinado e se torna num mistério. Estreia-se dia 29 na Filmin.
Sete meses depois do fenómeno Queen’s Gambit, a protagonista Anya Taylor-Joy é o isco para reposicionar esta mini-série que a BBC estreou em 2017 e que a norte-americana PBS levou aos EUA em 2018. O Miniaturista, adaptação do best-seller da britânica Jessie Burton, podia ter sido uma série RTP2 (no tipo de ficção europeia e na dilatação da data de chegada em Portugal), mas é, afinal, uma mini-série que se estreia em streaming em 2021, na plataforma Filmin Portugal.
Amesterdão, 1686, plena potência das trocas comerciais exóticas do colonialismo europeu. Nella (Anya Taylor-Joy) casa-se com um rico comerciante e encontra uma cidade que vibra entre as tensões religiosas e as tentações dos sentidos. O realizador Guillem Morales não resiste a fazer de cada plano mais aberto pequenos Vermeer, retratando a sua série como se a pintura da Flandres fosse o seu storyboard.
Porquê Miniaturista? Porquê tanto arenque e tão pouco açúcar? O marido de Nella está ausente, presenteia-a com uma família e empregados de poucas palavras, mas também com uma casa em miniatura, que, a cada peça, vai revelar os segredos da família e da cidade. E a cidade está sedenta de açúcar, de maçapão, mas os puritanos controlam, restringem, oferecem arenque em troca.
The Miniaturist, no original inglês, tinha dois episódios. A PBS tornou-os três e é nesse formato que a série chega à Filmin, o que tem as suas qualidades – açúcar – e os seus defeitos – uma pitada de arenque. Inicialmente, há uma qualidade teatral na série e um argumento assente nas perguntas verbalizadas e nos silêncios que (não) lhes servem de respostas. A tensão é real e as interpretações de Alex Hassell (Johannes Brandt), Romola Garai (a irmã de Johannes, Marin) e os seus empregados Hayley Squires (Cornelia) e Paapa Essiedu (Otto) compõem um cenário pleno de detalhe, dos navios de escravos portugueses aos alaúdes que embalam o açúcar como uma droga com potencial orgástico. “Não temos açúcar em casa. O seu luxo conspurca a alma”, diz Marin a Nella, ditando que “Cornelia trará um arenque” em compensação.
Esta série está numa encruzilhada de tendências actuais – é um título “antigo” que capitaliza o brilho que Anya Taylor-Joy carrega desde o sucesso recente da série Netflix sobre uma prodígio do xadrez e ao mesmo tempo é uma mini-série digna do nome na era das séries limitadas e das mini-séries de seis, sete episódios, e que, pela sua economia de tempo, pode ser chamativa numa era de abundância de ficção audiovisual. Para uns, será uma experiência sucinta e satisfatória, uma dose de açúcar refinado; para outros espectadores, pode ser fonte de ligeira frustração, de abstinência.
“Um drama de época da BBC tenso e com uma excelente interpretação de Anya Taylor-Joy”, elogiou o diário britânico The Independent. À medida que se avança, e vale a pena avançar, é que o desenvolvimento das personagens e do mistério pode bifurcar o caminho. “Tal como a casa de bonecas no centro da história, The Miniaturist é melhor a albergar fac-similes do que personagens que pareçam reais”, lamentou Caroline Framke na revista norte-americana Variety. Uma figura real e indiscutível é o isco menos óbvio: um arenque cheio de açúcar na figura de Marin e da actriz Romola Garai e do que ela faz pela série.