Inês, a doutora que gosta de ser peixeira

Inês Fialho nasceu em família de peixeiras. Agora, trata da compra do peixe em lota e prepara-o com a mãe no mercado municipal da Nazaré. É aqui se desenvolvem os produtos da marca Maria da Nazaré, nome da sua avó: carapau e sardinha, secos ou enjoados, e verdinhos.

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Inês Fialho é neta e filha de peixeiras – gente que toda a vida se dedicou ao carapau seco e ao carapau enjoado, peixe com secagem de um só dia. Como acontece em qualquer parte do mundo, sempre que uma família pode aliviar os descendentes de vidas difíceis, o caminho é a universidade.

Durante algum tempo, Inês trabalhou em Lisboa, como educadora de infância. Certo dia, em conversa com o marido, combinaram que, quando tivessem o primeiro filho, regressariam à Nazaré. “Os nossos filhos são dois teriam de viver ao pé de nós, ao pé da nossa família, ao pé dos nossos amigos e ao pé do mar. Todos os dias vão à praia, todos os dias visitam os primos. A pé e em segurança”.

De início, os pais ficaram a pensar que alguma coisa tinha corrido mal com a educação da filha, mas, hoje, a mãe, Isaura, sente-se muito bem na companhia dela. As duas são o rosto da empresa Maria da Nazaré – o nome é uma homenagem à avó da Inês –, dedicada ao carapau seco, ao carapau enjoado, à sardinha, seca e enjoada, e, em menos quantidade, aos verdinhos umas pescadinhas de rabo na boca, também secas.

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Manuela, peixeira, 87 anos, não vê a secagem de peixe como trabalho. “Trabalho era noutro tempo, em que tínhamos de amanhar o peixe, secá-lo e andar por esses caminhos com a canasta na cabeça e os filhos à cintura”, recorda. “Hoje, é uma brincadeira.”

Inês trata da compra do peixe em lota e prepara-o, na companhia da mãe, no mercado municipal da Nazaré, detalhe importante em matéria de higiene e segurança alimentar.

Se noutros tempos o peixe destinado à seca era o que sobrava da venda do peixe fresco, hoje a qualidade final do peixe seco depende da frescura da matéria-prima e, claro, da higiene de todo o processo.

Do ponto de vista técnico não existem grandes segredos na preparação do peixe. Há que retirar-lhes as entranhas, escalá-los, eliminar o mais pequeno coágulo de sangue (para evitar a presença das moscas), mergulhá-los numa salmoura durante o tempo que varia em função do tamanho do peixe e, depois, estendê-los em paneiros na praia da Nazaré, junto aos estendais de outras nove famílias que ainda se dedicam à seca do peixe e que, por regra, não são de grandes falas umas com as outras, para dizer o mínimo.

Nesta matéria, Inês faz a diferença porque, quando atravessa a passadeira com um carro de mão carregado de peixe, em direcção à zona de secagem, já vem a dizer bom dia a toda a gente. E, como as suas concorrentes têm idade avançada, conhece os males de saúde de cada uma. Isso com excepção da peixeira Manuela, que, com 87 anos, nunca foi de dar importância às doenças ouve bastante mal mas tal não entra no conceito de doença. Manuela queixa-se da pandemia, mas nunca do trabalho. Aliás, segundo a própria, secar peixe e vendê-lo na praia nem trabalho é. “Trabalho era noutro tempo, em que tínhamos de amanhar o peixe, secá-lo e andar por esses caminhos com a canasta na cabeça e os filhos à cintura. Isso é que era trabalho. Hoje, é uma brincadeira.”

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Peixeiras e carapaus de corrida

A expressão carapau de corrida tem, como se sabe, diferentes interpretações, quase todas afunilando na definição de chico-esperto, mas, segundo Inês Fialho, tal pode relacionar-se com a velocidade com que as peixeiras chegavam aos locais estratégicos de venda, a alguns quilómetros da Nazaré. “Famalicão, por exemplo, era um local importante, pelo que a peixeira que chegasse lá primeiro tinha o dia ganho – daí a expressão ‘carapau de corrida’.”

O tempo de cura de um carapau seco dura, em média, três dias, sendo que um carapau enjoado fica pronto em 24 horas, mas isso, como é fácil de imaginar, depende muito do estado do tempo. Do sol, do vento. O vento, de resto, na sua conta peso e medida, pode ser mais importante do que o sol para uma cura perfeita.

Seja como for, uma vez o peixe estendido nos paneiros há que estar de olho no céu. “Hoje, as coisas estão facilitadas com a informação do estado do tempo que consultamos nos telemóveis, mas, ainda assim, quando temos peixe a secar não podemos sair da Nazaré. É como ter um filho na praia, estamos sempre de olho nele.”

Os produtos Maria da Nazaré são vendidos no mercado municipal e, também, enviados por correio, em vácuo. Os preços variam em função do preço do peixe em lota, que, como se sabe, tem oscilações consideráveis. Uma dúzia de carapaus secos tanto pode custar 4 euros como 7 ou 8 euros, sendo que “uma dúzia nesta casa são sempre 13 carapaus, contas da minha avó, remata Inês.

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