Governo e PSD concordam em impedir condenados por corrupção de exercerem cargos políticos por dez anos
PSD, BE, PCP e Chega mostraram-se contra proposta sobre dispensa ou atenuação de penas em caso de confissão.
O refrão “vão sem mim/que eu vou lá ter”, de uma canção dos Deolinda, foi citado no plenário desta sexta-feira de manhã pela voz da ministra da Justiça para ilustrar que Portugal não aceitará o espírito da letra da música no combate à corrupção. O debate parlamentar sobre 25 diplomas em torno do combate aos crimes de corrupção deixou claro que Francisca Van Dunem ficou sozinha (só com o PS) na defesa da proposta de permitir atenuação ou dispensa de pena ao arguido em caso de confissão. Mas também ficou evidente que o PSD foi ao encontro do Governo na intenção de vir a impedir que os condenados por corrupção possam exercer cargos políticos por 10 anos (mais dois na proposta social-democrata) como pena acessória.
A maioria dos diplomas propostos por vários partidos, que visa um reforço das obrigações declarativas dos altos quadros públicos, baixou à comissão sem votação. Duas das propostas de lei do Governo também não foram votadas na generalidade e outras duas foram aprovadas. Só os projectos do Chega (entre os quais está o do aumento das molduras penais de corrupção) foram chumbados, deixando o deputado André Ventura praticamente isolado nas alterações que propunha.
Na sua intervenção inicial, a ministra da Justiça defendeu o regime de dispensa ou atenuação de pena proposto, com perda da vantagem ou património obtido para quem se arrependa do crime, como a “resposta adequada” para favorecer a quebra de “pactos de silêncio entre corruptores e corrompidos”. Momentos depois, da bancada do Bloco, veio a primeira discordância. “O Governo escolheu o caminho mais fácil e mais barato, que é o direito premial aditivado”, contrapôs José Manuel Pureza.
A mesma ideia foi retomada pela social-democrata Mónica Quintela. “O Governo apresenta-nos uma investigação de sofá e o tráfico de indulgências”, disse, apontando os “efeitos perversos” destas práticas e que levam ao “mercadejar da justiça”. A deputada do PSD admitiu haver “matérias coincidentes” nas propostas entre as intenções da sua bancada e as do Governo, mas foi a deputada socialista Cláudia Santos que assumiu que a inibição do exercício de cargos políticos por parte dos condenados por corrupção, também prevista no projecto do PSD, “pode ser um ponto de consenso” e que “é positivo para o país”.
Mostrando um “espírito aberto e construtivo” sobre as propostas em debate — embora sem alinhar nas “gritarias de que Portugal é um país de corruptos” — António Filipe, deputado do PCP, assumiu também “reservas sobre a introdução do mecanismo de negociação em direito penal”. A disponibilidade para, em sede de especialidade, se procurar “um consenso o mais alargado possível” em torno do combate à corrupção foi também manifestado pelo deputado José Luís Ferreira, do PEV, e por Nelson Silva, do PAN.
Na sua intervenção, Nelson Silva destacou a proposta do PAN sobre o estatuto do denunciante, salientando que procurou ir “mais longe” do que as propostas do Governo ao abranger todas as violações da lei (e não apenas de direito da União Europeia) e sem deixar de fora 38% das autarquias.
Depois de André Ventura, do Chega, também se insurgir contra a atenuação de penas, uma outra voz à direita também se assumiu contra a “barganha de penas”. Telmo Correia, líder da bancada do CDS, assinalou ainda que o Governo foi omisso em medidas para combater a “promiscuidade entre magistraturas e cargos políticos”. Esta falha foi também apontada pelo social-democrata Luís Marques Guedes, que referiu outras ausências nas propostas do Governo como as que poderiam acabar com a “manipulação da distribuição dos processos” e a “impunidade da violação sistemática do segredo de justiça”.
Lembrando que o PSD já tinha tentado um entendimento alargado em 2018 na justiça “sem sucesso”, o deputado e presidente da comissão de Assuntos Constitucionais reiterou a abertura do partido e disse esperar o mesmo por parte do Governo para que “se possam dar passos eficazes no combate à corrupção”.
No encerramento do debate, Francisca Van Dunem admitiu, em termos gerais, que “apesar tudo parece haver uma forte convergência para alterar a legislação e “é sobre isso” que é preciso “falar”. Mas não deixou de dar uma nota amarga sobre o documento da reforma da justiça proposto por Rui Rio em 2018: “Era uma mão cheia de nada”.