Ao quilómetro 77

Com um Euro 2020 disputado em 2021, as datas já pouco valem. Portanto, permitam-me regressar a Junho de 2004. Tive o privilégio de assistir aos últimos jogos de Portugal no Euro 2004, o que implicou repetir o trajecto Estarreja-Lisboa várias vezes em poucos dias.

O elenco dessas jornadas era quase sempre o mesmo: eu, o meu pai e amigos dele. Tão importante como o combustível para estas viagens são os pequenos rituais que se vão criando intuitivamente, e para os quais a razão pouco é convocada. Numa das jornadas, o nosso condutor designado apontou o facto aparentemente irrelevante de estarmos a passar pelo quilómetro 77 da A1, talvez atraído pela capicua ou pela repetição do 7, um número associado a estrelas de futebol e que a cabala nos diz ser presságio de boa sorte.

Ou então porque calhou. Não interessa. A partir daí, a passagem ao quilómetro 77 tornou-se referência obrigatória nas viagens seguintes. Passámos a fazer relatos da paisagem durante estes mil metros e exultámos quando descobrimos um monumental sistema de rega que a acompanhava a par da auto-estrada.

Para mim, na altura um miúdo de 15 anos, o quilómetro 77 também foi um rito de passagem. Os adultos que então conhecia eram sobretudo professores e, pela primeira vez, estava incluído entre amigos de 40 e tal anos, juntos para ver um jogo, com conversas sobre problemas de adultos, política, impostos e doenças. E, mesmo sendo adultos, conseguiam divertir-se, fazer piadas e não levar a vida muito a sério. Nem mesmo o futebol.

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