Qualificados por mérito
Sem depender de terceiros, Portugal deu uma prova de competência na defesa do título europeu e, com um empate diante da França, segue para os “oitavos”.
Bucareste, Londres, Sevilha ou Lisboa? Num Europeu de futebol caótico no plano logístico, Portugal entrou para a última jornada do Grupo F do Euro 2020 com quatro possibilidades de rota e, durante 90 minutos pouco recomendáveis a cardíacos, todos os destinos estiveram assinalados no mapa português. No final, no entanto, o campeão europeu seguiu pela via da qualificação por mérito próprio. Sem depender das notícias que chegavam de Munique, Portugal não mostrou medo da França e mesmo quando, de forma fortuita, levou dois murros no estômago (golos de Benzema), não foi ao tapete. Com dois penáltis de Cristiano Ronaldo, garantiu o resultado de que precisava (2-2) e superou o “grupo da morte”. Segue-se, nos oitavos-de-final, outro “osso muito duro de roer”: a Bélgica, em Sevilha.
A poucos dias de se cumprirem cinco anos desde que Portugal derrotou a França, no Stade de France, e garantiu pela primeira vez a conquista de um título continental, o reencontro entre portugueses e franceses na fase final de um Europeu teve, em muitas das análises feitas, esse duelo de 2016 como referência. No entanto, meia década é um passado demasiado longínquo para servir de exame ao que pode ser um jogo de futebol. Didier Deschamps e Fernando Santos sabiam-no antes de se defrontarem em Budapeste.
O campeão do mundo e o campeão da Europa estiveram frente-a-frente por duas vezes no final de 2020, em confrontos que decidiram quem seria semifinalista da Liga dos Nações. Partidas equilibradas, como a desta quarta-feira em Budapeste, mas que revelaram abordagens diferentes do lado francês.
Na primeira, no Stade de France, ninguém correu riscos. Com respeito mútuo, o jogo foi “amarrado”, ajustando-se o 0-0 final. Um mês depois, na Luz, com a França a precisar de vencer, a história foi diferente. Deschamps montou uma equipa ofensiva e pressionante, e, de forma justa, conquistou os três pontos de que necessitava.
A dúvida que havia antes de novo choque luso-francês no Puskas Arena era saber como iria Deschamps abordar a partida. Por um lado, a França era a única selecção do grupo com um lugar nos “oitavos”, mas os franceses sabiam que apenas o triunfo lhes garantia que não teriam um inconveniente duelo com a Inglaterra, em Wembley, ou um previsivelmente quente confronto com a Bélgica, em Sevilha.
Com a titularidade de Tolisso, Deschamps replicou a táctica usada em Lisboa, na Liga das Nações, tendo Griezmann como seu joker. O jogador do Barcelona passou para o meio, jogando com liberdade nas costas de Benzema. No papel, Deschamps atacava Portugal em 4x2x3x1. A palavra “atacar”, para os franceses, acabou por ser meramente teórica.
A mudança francesa não foi uma surpresa e Fernando Santos alterou o seu meio-campo. Com um ouvido em Munique — se a Hungria não ganhasse à Alemanha, Portugal passava mesmo com uma derrota por três golos de diferença —, o técnico português retirou da equipa William Carvalho e Bruno Fernandes, colocando Renato Sanches e João Moutinho à frente de Danilo num triângulo no centro do terreno.
A estratégia de Santos, tal como tinha acontecido no mesmo palco contra a Hungria, resultou. Com personalidade e carácter, Portugal foi sempre a equipa que mais procurou atacar, perante um campeão do mundo retraído. Com domínio português, mas jogo morno, o primeiro sinal numa noite que foi tudo menos monótona chegou de Munique, com o primeiro golo da Hungria. Portugal perdia a rede de segurança, mas ficava a depender de si para chegar ao primeiro lugar. E tentou.
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— SPORT TV (@SPORTTVPortugal) June 23, 2021
Aos 30’, Lloris socou Danilo na área e, na transformação do pénalti, Ronaldo colocou a equipa que mais tinha feito por isso a ganhar. Até então, a França apenas ameaçara com arrancadas de Mbappé. Numa delas, em cima do intervalo, o avançado do PSG, com inteligência, “arrancou” um penálti a Semedo. Segundo penálti do jogo e Benzema, sem que os franceses tivessem feito muito por isso, empatou o jogo.
Ao intervalo, Santos trocou Danilo por Palhinha, mas bastaram dois minutos para Portugal estar pela primeira vez virtualmente eliminado: Benzema surgiu no meio dos centrais e marcou com um remate cruzado. Após análise do VAR, o golo foi confirmado.
A perder, Portugal não se descontrolou. Com Renato Sanches a dar potência ao meio-campo e Moutinho inteligência, os portugueses foram pacientes, como tinham sido contra os húngaros, e, em cima da hora de jogo, o estreante Koundé cortou um cruzamento com o braço. Novamente da marca dos 11 metros, Ronaldo chegou aos 109 golos por Portugal, igualando Ali Daei como melhor marcador de sempre de selecções.
Sem que a Alemanha conseguisse desenvencilhar-se da Hungria em Munique, Portugal ainda apanhou um susto (duas grandes defesas de Patrício, aos 67’, a remates de Pogba e Griezmann), mas Santos refrescou de imediato o meio-campo com as entradas de Bruno Fernandes e Rúben Neves, garantindo a estabilidade até final.
Depois, com a notícia do fim da resistência húngara na Alemanha, a qualificação estava no bolso. Mérito, no entanto, de Portugal, que mostrou fibra de campeão.