A Comissão Europeia avançou com uma investigação a possíveis práticas anti-concorrenciais do Google no sector da publicidade online. Muitas das preocupações do regulador estão relacionadas com dados dos consumidores. E há no anúncio um sinal do quão intrincada é esta questão: entre outros assuntos, a Comissão vai investigar medidas do Google para aumentar a privacidade dos utilizadores, como a restrição de cookies no browser Chrome.

É um novelo que se vem a enrolar há um quarto de século.

Em 1994, surgiu aquele que é descrito como o primeiro anúncio na Web: um banner no site HotWired.com (da revista Wired). Aqueles banners eram, comparados com a publicidade actual, inócuos. Curiosamente, logo nos primeiros anos, havia indícios de que os utilizadores estavam fartos deles – mas alguns dados mostravam que eram eficazes para anunciantes, em parte por permitirem o controlo de métricas (como os cliques), que não existiam noutros tipos de publicidade.

A publicidade online evoluiu, tornando-se mais mensurável e mais direccionada, até chegar ao estádio em que é possível a praticamente qualquer pessoa comprar um anúncio altamente direccionado numa das grandes plataformas de Internet. Estes anúncios só são possíveis graças ao manancial de informação dos utilizadores que as plataformas recolhem e transaccionam, numa prática de que as falhas de privacidade e o incentivo ao consumo acrítico de conteúdos são um subproduto.

A postura de muitas empresas de Internet é a de que esta publicidade é inevitável para manter os serviços gratuitos. Mesmo a Comissão Europeia faz questão de lembrar no seu anúncio da investigação ao Google que a publicidade é essencial para manter muitos sites grátis. Se não fossem os anúncios, teríamos de pagar para usar um motor de busca ou uma rede social. É verdade. Mas é questionável que este tipo de publicidade seja a única via. 

Como aqui conta a Wired num artigo recente, o DuckDuckGo é um pequeno motor de busca, que surgiu em 2008, quando o Google já era um gigante. Não seria irrazoável arrumar o estreante na gaveta dos projectos bem-intencionados, mas sem futuro. Porém, a empresa cresceu e há oito anos que dá lucro. Em vez de extrair dados aos utilizadores, usa apenas as pesquisas que estes fazem para mostrar aquilo a que se chama publicidade contextualizada: se alguém faz uma pesquisa por botas, pode aparecer publicidade a calçado. (É de notar que esta abordagem também é usada pelo Google nas páginas do seu motor de busca. Mas o Google tem uma plataforma de anúncios que podem aparecer em praticamente qualquer site e, para esses, precisa de saber mais sobre os utilizadores.)

Em muitos outros sectores já se percebeu que há alternativas aos modelos instalados, em especial se houver pressão de consumidores e de decisores públicos. Por exemplo, os veículos eléctricos e a mobilidade suave estão a fazer o seu caminho como alternativa aos veículos com motor de combustão e aos automóveis privados. Idem para produtos alimentares que têm preocupações com o bem-estar animal. Não há razão para crer que a publicidade online é diferente e seja um caminho de via única. 

Nota: habitualmente, esta newsletter segue à segunda-feira. Esta semana, excepcionalmente, foi enviada à terça-feira.

Digno de nota

- Cerca de 38% dos utilizadores de Internet na União Europeia dizem encontrar fake news diariamente, ao passo que 83% consideram a desinformação uma ameaça à democracia. Em Portugal, a confiança na Internet como um espaço seguro fica abaixo da média europeia. Esta infografia traça um retrato das percepções dos cidadãos da UE numa era de desinformação.

- A cibersegurança foi um dos grandes temas da conversa da semana passada entre o presidente dos EUA e o homólogo russo. Joe Biden entregou a Vladimir Putin uma lista de infraestruturas que os americanos consideram não ser aceitável atacar, incluindo as de fornecimento de água e energia. “Vamos descobrir se chegamos a um acordo de cibersegurança que comece a trazer alguma ordem”, adiantou Biden.

- Tanto o Spotifycomo o Facebook apresentaram funcionalidades para concorrer com o Clubhouse. Esta aplicação, disponível apenas aparelhos da Apple, permite criar salas de conversa por voz. Teve um surto de popularidade e de atenção mediática no início do ano. Mas, desde então, o interesse pelo Clubhouse decresceu drasticamente.

- O prémio deste ano do Arquivo.pt, uma plataforma pública que se dedica a arquivar a web portuguesa, foi para o Major Minors, um projecto da Universidade do Minho, que recolhe e analisa referências a grupos minoritários nos sites noticiosos portugueses.

- Investigadores na Austrália analisaram 15 mil aplicações de saúde para Android (de aplicações de exercício a calendários menstruais) e concluíram que 88% têm problemas de privacidade

4.0 é uma newsletter sobre inovação, tecnologia e o futuro. Críticas e sugestões podem ser enviadas para jppereira@publico.pt. Espero que continue a acompanhar