Não é fácil ver o nosso corpo envelhecer
Aos 20 anos as pessoas de 40 são velhas e as de 60 de pés para a cova — não invento, há uma fórmula matemática que prova que é assim.
Querida Ana,
Não é nada fácil ver o corpo envelhecer. Sobretudo quando dentro da cabeça continuamos a imaginarmo-nos mais ou menos adolescentes. E a verdade é que a pandemia tem ajudado esta negação, porque sem a oportunidade de nos vermos no espelho dos provadores das lojas, passaram quase dois anos sem a necessidade de nos confrontarmos com a realidade.
Tudo isto é uma introdução para te descrever a minha tentativa de comprar um fato de banho. Fui a uma loja que tem uma escolha infinita. E fui sensata na selecção, julgava eu. Não escolhi nem biquínis, nem triquínis, nem decotes, nem fios dentais.
Entrei no provador com oito, já com remorsos da trabalheira que ia dar, porque uma tabuleta garantia que tudo o que provasse ia ser desinfectado. E foi então que a minha auto-estima caiu a pique, o reflexo a deixar claro que apesar de não ter celebrado com a pompa devida os 60, nem os 61, eles estão lá.
Ia-me embora quando muito simpática a empregada, dos seus 20 anos, me perguntou se precisava de ajuda. Num repente pedi-lhe que me fosse escolher um fato de banho, o que quisesse. Ela foi, vesti-o obedientemente e exclamei: “Mas este é de velha!”
A pobre ficou sem fala, claro. Aos 20 anos as pessoas de 40 são velhas e as de 60 de pés para a cova — não invento Ana, há uma fórmula matemática que prova que é assim.
Por fim, certa de que este ano não vou à praia, furiosa com o diâmetro da barriga e os efeitos da gravidade, afoguei as minhas mágoas no Starbucks — mas quando o empregado de copo de batido de morango na mão começou a bradar pela “Isabel”, percebi que também não era uma miúda que chamam com voz de quem lhe vão dar uma reguada.
Ana, estou em terra de ninguém! Num jet lag mental comigo própria.
É claro que posso fazer uma plástica, uma lipoaspiração e ainda um programa intensivo de ginásio, acompanhado de poções dietéticas, mas suspeito que é coisa para uma década de trabalho. Mas se me jurares que quando eu chegar aos 70, já se fazem fatos de banho de novas para velhas, ainda me meto ao caminho.
Querida mãe,
Um dos primeiros blogues que li na vida era de uma aluna de sociologia que tinha decidido fazer a experiência de passar um ano sem se olhar ao espelho. Lutara com problemas de auto-imagem e até com um distúrbio alimentar. Apesar de recuperada, meses antes do casamento recomeçou a ouvir a sua voz interior a criticá-la constantemente enquanto se avaliava ao espelho e por isso decidiu (apesar dos protestos da mãe que achava triste que a filha não se “visse” no vestido de noiva no seu próprio casamento), alterar as variáveis externas e retirar um dos triggers desta conversa destrutiva.
Penso muitas vezes nesse exercício porque a mãe tem toda a razão, tendencialmente temos de nós mesmos uma imagem boa, ou pelo menos razoavelmente boa, porque é feita também do nosso sentido de identidade e das nossas capacidades. Mas quando enfrentamos um espelho ou uma selfie, focamos os detalhes que vemos como negativos, e criamos imagens tão ilusórias como a que tínhamos anteriormente, mas com a desvantagem de que como agora nos concentramos apenas nas medidas da cintura ou do peito, no sinal na bochecha esquerda ou a pálpebra descaída do olho direito, estas últimas são necessariamente mais negativas. E falsas por falsas, mil vezes a imagem original.
Por isso, traga os fatos de banho que acha giros, não os experimenta à frente do espelho. Veja quais são os mais confortáveis! E eu vou fazer o mesmo. Porque, na prática, porque é que trocamos um fato de banho com um rabo super confortável, que nos deixa mexer-nos à vontade, por um triangulozinho de tecido que se estivermos deitadas na areia e formos fotografadas para a Reef fica lindo, mas que em todas as outras circunstâncias é uma tortura? E, entretanto, vou dar o seu recado a uma grande amiga que desenha e produz fatos de banho, porque provavelmente a mãe acaba de descobrir um novo filão do mercado.
Beijos!
No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.