A vacina boa, má e assim assim

Apesar de já não ter o efeito surpresa, ainda fico perplexo perante esta divisão entre vacinas boas, más e assim assim. Que caminho fizemos para chegarmos aqui? Será que existe um culpado? Teremos todos contribuído?

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Daniel Rocha

Um novo normal. De tão gasta, esta expressão quase perdeu o sentido. Mas são, efectivamente, novas as minhas rotinas profissionais. Estes últimos meses têm sido fundamentalmente marcados pela colaboração na vacinação contra a covid-19.

Em cada turno no centro de vacinação, há duas perguntas que se repetem: “O Dr. está por cá?” e “Qual é a vacina hoje?”Aproveito esta crónica para responder desde já à primeira questão.

A minha participação é não só directa e presencial - quando estou escalado - mas também de coordenação e motivação da equipa da Unidade de Saúde Familiar (USF) que, mantendo a actividade assistencial na USF, tem também de se deslocar frequentemente para o centro de vacinação.

Este esforço, que resulta do espírito de missão dos médicos, internos, enfermeiros, secretários clínicos, Unidade de Saúde Pública e muitos outros, merece ser reconhecido, pois tem dado frutos concretos: estamos com um ritmo de vacinação superior à média da União Europeia.

Voltemos agora à segunda pergunta mais comum. Percebo o sentido da questão “Qual é a vacina de hoje?”, pois o auto-agendamento não fornece este dado e é natural querer ter esclarecimentos. Mas logo a seguir temos o verdadeiro motivo: “É a vacina boa? A da marca x?”.

Apesar de já não ter o efeito surpresa, ainda fico perplexo perante esta divisão entre vacinas boas, más e assim assim. Que caminho fizemos para chegarmos aqui? Será que existe um culpado? Teremos todos contribuído?

À luz do conhecimento actual, as vacinas são seguras e eficazes na diminuição da mortalidade e doença grave causada pelo vírus SARS-CoV-2. E é isto que vai figurar nos livros de história. Perante o manto negro que inesperadamente cobriu a humanidade, o pensamento racional e a união global deram como fruto várias soluções num tempo curtíssimo quando comparado com anteriores pandemias.

Sendo assim, porquê este foco nos acontecimentos raros associados, ou não, às vacinas? Não há uma resposta simples.

Bem cedo, alguns líderes lançaram o rastilho com declarações, no mínimo, infelizes. Juntemos a estas jogadas geopolíticas o apetite sensacionalista de alguns média e a voragem das redes sociais e temos todos os componentes necessários para lançar a desinformação.

Como em quase todos os problemas complexos, não há soluções mágicas e rápidas. Julgo que a chave está na literacia em saúde e em ciência. Tal desígnio é - estou consciente - uma meta a longo prazo, pelo que escapa ao ciclo eleitoral.

Mas estou mesmo convencido que um cidadão que perceba o método científico e que tenha as noções acertadas, como o que é um vírus e uma vacina, será um cidadão mais capacitado para interpretar a informação que lhe é transmitida. Assim irá decidir melhor e, com isso, proteger-se e proteger a comunidade em que está inserido.

Felizmente, não partimos da estaca zero. O país evoluiu muito com destaque para o legado de Mariano Gago e o trabalho árduo dos docentes, equipas dos cuidados de saúde primários e dos divulgadores de ciência, por exemplo, Carlos Fiolhais e David Marçal que têm no PÚBLICO presença regular com o excelente podcast Assim fala a Ciência.

Ainda é pouco? Talvez. Mas, citando o célebre provérbio antigo, “mais vale acender uma vela, do que amaldiçoar a escuridão”.

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