O que o Plano de Recuperação de Aprendizagens não pode ignorar

A verdadeira culpa da tutela é, não tanto a forma como quer ou não ouvir os professores, mas sim a forma falaciosa como quer fazer crer a toda a sociedade que o, quase, exclusivo problema das escolas são as aprendizagens.

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Daniel Rocha

Estamos a horas de assistir à apresentação do Plano de Recuperação de Aprendizagens encomendado pelo Governo a um conjunto de especialistas. O objetivo do aclamado plano é o de nos próximos dois anos letivos recuperar as aprendizagens perdidas nos últimos dois, devido à pandemia. Nesta premissa consigo, e certamente não serei o único, identificar um mau princípio: as aprendizagens não foram perdidas apenas nos últimos dois anos, as aprendizagens, sobretudo para aqueles que frequentam a escola pública, têm vindo a ser perdidas ao longo das últimas décadas.

O grupo de trabalho independente — porque gastam-se milhões nos gabinetes ministeriais mas depois para estes “estudos” contrata-se sempre alguém “independente” por razões que desconheço, mas posso alvitrar que seja para dar maior credibilidade aos resultados —, é composto por “personalidades” de várias áreas e tem a seguinte composição:

  • Dr. David Sousa, diretor do Agrupamento de Escolas Frei Gonçalo Azevedo;
  • Prof. Doutor Domingos Fernandes, professor catedrático do Departamento de Ciência Política e Políticas Públicas do ISCTE;
  • Prof. Doutor João Pedro da Ponte, professor catedrático do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa;
  • Dr. José Jorge Teixeira, professor do Agrupamento de Escolas Dr. Júlio Martins;
  • Prof. Doutor José Lopes Cortes Verdasca, coordenador do Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar;
  • Dr.ª Júlia Gradeço, diretora do Agrupamento de Escolas de Oliveira do Bairro;
  • Prof.ª Doutora Maria Margarida Nunes Gaspar de Matos, professora catedrática da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa;
  • Prof.ª Doutora, Sónia Valente Rodrigues, professora auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade do Porto;
  • Dr.ª Sofia Ramalho, psicóloga, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses;
  • Prof.ª Doutora Susana Peralta, professora associada da NOVA School of Business & Economics.

Isso mesmo, são dez elementos sendo que apenas um, considerando a descrição no despacho, dará ainda aulas, mas não é assim tão certo. Ora se é evidente a importância de um grupo de trabalho heterogéneo, não deixa de ser curioso como, mais uma vez, os professores, aqueles que todos os dias trabalham no terreno, estejam ausentes destes grupos. Mais uma vez o empírico a ser desvalorizado.

Os professores são na realidade meros executores dos variadíssimos programas/planos desenhados pelos especialistas. A bem da verdade, no passado mês de abril os agrupamentos de escolas receberam um e-mail assinado pelo diretor-geral dos Estabelecimentos Escolares, João Miguel Gonçalves, que visava a auscultação das escolas e professores: “Ao nível de cada Agrupamento/Escola não agrupada, pede-se que cada Conselho Pedagógico, através dos Departamentos Curriculares, proceda a uma identificação das aprendizagens mais afetadas e comprometedoras de aprendizagens futuras.” Pois bem, o que lhe posso dizer é que a mim, no agrupamento onde trabalho, não me foi perguntado absolutamente nada e acredito que poderá ter sido assim noutros agrupamentos. O que me leva a crer que a participação dos professores possa ter sido residual.

Neste momento poderá estar a pensar, então, mas se quiseram ouvir os professores e as escolas e se estes não responderam que culpa tem o Ministério da Educação? A verdadeira culpa da tutela é, não tanto a forma como quer ou não ouvir os professores, mas sim a forma falaciosa como quer fazer crer a toda a sociedade que o, quase, exclusivo problema das escolas são as aprendizagens. Esse é o real problema. Parece que encontrou aqui um cavalo de batalha com o qual quer ofuscar todos os outros problemas reais.

Repare-se, por exemplo, no que vem inscrito nas mais de mil páginas no Plano de Recuperação e Resiliência, onde as principais medidas e consequente investimento é em “máquinas”, projetores, computadores, Internet. Obviamente que é importante esse upgrade, mas há outros problemas que não desaparecem com a resolução destes. E talvez fosse melhor começar por aí. Os problemas há muito que estão identificados, mas tardam a ser resolvidos. Mas esses sim, são verdadeiros e contínuos entraves à aquisição das aprendizagens, tal como: a crescente indisciplina em meio escolar e nas salas de aulas; as turmas numerosas independentemente dos contextos; as turmas mistas/multinível, a falta de professores, seja na profissão, seja na formação inicial sobretudo devido à desvalorização da profissão — os professores são mal pagos, mal tratados, cada vez mais proletarizados, burocratizados, com números altíssimos de burnout, com funções cada vez mais de administrativos —, esta tem vindo a ser cada vez mais um o suporte socioeconómico, tornando-a desfocada do essencial, ensinar. Os professores perdem-se em papéis, em relatórios, em grelhas de monitorização de tudo e mais alguma coisa e ainda vão buscar alunos a casa. Nobre? Sem dúvida, mas sinal de uma demissão do resto da sociedade perante estas situações.

Com isto tudo, queria apenas dizer que qualquer plano que seja apresentado e que não tenha em consideração estes problemas, antigos eu sei, mas nunca resolvidos, não lhe poderemos chamar plano, apenas rabisco.


O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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