“Voluntariado” em minas e fábricas da Coreia do Norte acentua denúncias de trabalho infantil
Regime diz que centenas de órfãos, recrutas e estudantes apresentaram-se para trabalhar nos “terrenos difíceis” do país. Imagens divulgadas pela imprensa estatal sugerem que muitos são menores de idade.
A agência noticiosa estatal da Coreia do Norte revelou neste sábado que mais de 700 órfãos, estudantes e soldados recrutados se “voluntariaram” para trabalhar em minas, quintas, fábricas, florestas e locais de construção por todo o país.
Nas fotografias divulgadas pela KCNA, muitos dos “voluntários” aparentam ser adolescentes, dado que acentua as acusações feitas por vários governos estrangeiros e organizações internacionais sobre a prática de trabalhos forçados e exploração infantil no país asiático, particularmente numa altura em que a crise económica e a ameaça de fome extrema são assumidas sem rodeios pelo regime de Kim Jong-un.
Segundo a KCNA, trata-se de jovens com “sabedoria”, “coragem” e na “flor da idade” que acabaram os estudos nos orfanatos “sob o carinho caloroso do partido-mãe” e optaram por se “voluntariar para trabalhar nos terrenos difíceis” da Coreia do Norte.
“Voluntariaram-se para trabalhar nos grandes locais de trabalho de produção socialista, por sua própria vontade, e para glorificarem a sua juventude, num esforço pela prosperidade do país”, noticia a agência estatal, recorrendo ao tradicional discurso de exaltação patriótica usado pelo Partido dos Trabalhadores.
Já na quinta-feira da semana passada a KCNA tinha dado conta de que 150 jovens “foram a correr até ao complexo mineiro de Chonnae para cumprirem o juramento que fizeram para retribuir um milionésimo que seja do amor que o partido lhes deu”.
Mesmo sendo um dos países mais inacessíveis do mundo, não faltam relatos sobre a prática de trabalhos forçados na Coreia do Norte – muitas delas baseadas nos testemunhos daqueles que conseguiram fugir para a Coreia do Sul ou para a China –, que são particularmente importantes para manter vivo o programa de armamento nuclear e balístico do regime.
O relatório do Departamento de Estado norte-americano sobre o estado dos direitos humanos a nível mundial em 2020 dá conta daquele tipo de práticas e refere-se concretamente a casos de jovens de 16 e 17 anos de idade que foram forçadas a integrar brigadas de estilo militar, durante períodos de 10 anos, que se dedicam à construção e outras tarefas semelhantes.
“Os estudantes sofreram ferimentos físicos e psicológicos, subnutrição, exaustão e deficiências de crescimento por causa do trabalho forçado”, lê-se no relatório, citado pela Reuters.
Também as Nações Unidas denunciam, através de um relatório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, que a Coreia do Norte “está actualmente envolvida em práticas de tortura, encarceramentos ilegais e trabalhos forçados em condições excepcionalmente difíceis”, levadas a cabo em “estabelecimentos de detenções de curta duração” e em “campos prisionais de trabalho forçado de longa duração, para crimes comuns – os kyohwaso”.
Uma reportagem da BBC em Fevereiro deste ano dava ainda voz a denúncias sobre várias gerações de prisioneiros de guerra do conflito com a Coreia do Sul que foram obrigadas a trabalhar nas minas de carvão da Coreia do Norte.
A Coreia do Norte nega, no entanto, todas as acusações de trabalhos forçados, exploração infantil ou quaisquer outros abusos de direitos humanos, catalogando-as como parte da estratégia dos seus principais inimigos – Coreia do Sul, Estados Unidos e Japão à cabeça – para tentarem derrubar o regime.
Em dificuldades económicas há várias décadas, muito por culpa das sanções internacionais que lhe foram aplicadas por causa da insistência em desenvolver o seu programa nuclear, a Coreia do Norte viu a sua situação financeira e social ainda mais agastada com a pandemia de covid-19 e com os desastres naturais (cheias e tempestades) do último ano.
O agravamento da crise foi, inclusivamente, assumido por Kim Jong-un, que, num gesto muito pouco habitual da sua forma de governar – baseada, em grande medida, na promoção do direito dinástico e quase-divino da sua figura – chegou a pedir desculpa aos norte-coreanos pelo falhanço da execução do último programa quinquenal.
Para além disso, o líder da Coreia Norte comparou, em Abril, a situação actual com a terrível fome vivida na década de 1990, uma crise precipitada pela perda da assistência da União Soviética e que provocou um número de mortos calculado entre as centenas de milhares e os dois a três milhões.