A “armadilha” que levou 3700 judeus de França até Auschwitz

A 14 de Maio de 1941, mais de 3700 judeus estrangeiros residentes em Paris foram convocados pela polícia francesa para “a análise da sua situação”. Tratava-se, afinal, de uma armadilha – o início da primeira grande deportação dos judeus refugiados em França. O Museu do Holocausto, em Paris, revelou, 80 anos depois, 98 fotografias inéditas desse dia.

Theodor Dannecker supervisiona a transferência dos judeus para a estação de Austerlitz. A sua presença nas fotos revela que ele acompanhou e supervisionou toda a operação.
Fotogaleria
Theodor Dannecker supervisiona a transferência dos judeus para a estação de Austerlitz. A sua presença nas fotos revela que ele acompanhou e supervisionou toda a operação.

Uma carta de cor verde, assinada por um comissário da polícia francesa, chegou às caixas de correio dos judeus polacos, checos, russos, romenos e apátridas residentes na capital francesa e arredores nos primeiros dias de Maio de 1941. Essa intimava o remetente a apresentar-se às autoridades, pelas sete horas da manhã, na posse do seu cartão de identidade e acompanhado de um amigo ou de um membro da família. O motivo: “a análise da sua situação”. A presença era obrigatória. “A pessoa que não comparecer no dia e hora marcados estará exposta às mais severas penalidades”, podia ler-se na carta, visível no final desta fotogaleria. No dia previsto, cerca de 3700 compareceram nas esquadras parisienses. Convencidos de que se trataria apenas de uma formalidade, os presentes foram identificados, desprovidos dos seus bens, separados dos familiares e amigos e, por fim, reunidos no interior do pavilhão Japy.

Pelo meio-dia, os homens detidos foram conduzidos para o interior dos autocarros que os transportariam até à Gare d'Austerlitz. No interior de vagões de comboio sobrelotados, os passageiros desconheciam o seu destino. Foram deixados em campos que estavam preparados para a sua chegada, 90 quilómetros a sul de Paris, em Loiret: 1700 deram entrada em Pithiviers e 2000 em Beaune-la-Rolande. À chegada, foram registados, um a um, sob vigilância de oficiais armados e aí permaneceram. A subnutrição, a insalubridade, a sobrelotação, o isolamento tornam-se companheiros destes homens, nas camaratas da prisão que viriam a ocupar por mais de um ano.

Durante esse período, cerca de 700 conseguiram escapar. Em Junho e Julho de 1942, os que resistiam nos campos foram conduzidos até ao último destino: Auschwitz.

Foi durante o Outono de 2020 que Lior Lalieu-Smadja, responsável pelo arquivo fotográfico do Museu do Holocausto, em Paris, recebeu a visita de dois coleccionadores. Queriam mostrar-lhe a sua mais recente aquisição: 200 folhas de contacto, rigorosamente numeradas, que continham fotografias do quotidiano da cidade de Paris durante a ocupação nazi. Entre elas, quase 100 descreviam, hora a hora, o decurso do dia que ficou conhecido como “a rusga da carta verde” – uma tradução livre de la rafle du billet vert, como é popularmente conhecida em França.

O que estava patente nas imagens trazidas pelos coleccionadores correspondia, exactamente, à descrição das testemunhas à época, garante Lalieu-Smadja, em comunicado – ao contrário das fotografias de propaganda que foram publicadas, então, nos jornais, que desumanizavam deliberadamente os protagonistas. “Dessas estavam ausentes as despedidas emotivas dos familiares dos detidos, que decorriam diante dos olhares de transeuntes e vizinhos.” As 98 fotografias que foram recentemente publicadas pela instituição são elementos “indispensáveis ao conhecimento e lembrança históricos”.

Dentro do pavilhão Japy, o local onde foram detidos os judeus estrangeiros refugiados em Paris, a 14 de Maio de 1941. Uma delegação alemã com o SS Theodor Dannecker, responsável pelos assuntos judaicos em França, e o francês liderado pelo chefe da polícia François Bard, inspeccionam os documentos.
Dentro do pavilhão Japy, o local onde foram detidos os judeus estrangeiros refugiados em Paris, a 14 de Maio de 1941. Uma delegação alemã com o SS Theodor Dannecker, responsável pelos assuntos judaicos em França, e o francês liderado pelo chefe da polícia François Bard, inspeccionam os documentos.
No pavilhão Japy, os detidos estão nas bancadas do andar de cima. No andar de baixo, apenas circulam agentes da polícia. A primeira etapa da “rusga” já aconteceu: os judeus convocados “entraram na ratoeira”, refere a legenda oficial do Museu. “Vemos, pela primeira, vez o interior de Japy e as centenas de judeus aglomerados.”
No pavilhão Japy, os detidos estão nas bancadas do andar de cima. No andar de baixo, apenas circulam agentes da polícia. A primeira etapa da “rusga” já aconteceu: os judeus convocados “entraram na ratoeira”, refere a legenda oficial do Museu. “Vemos, pela primeira, vez o interior de Japy e as centenas de judeus aglomerados.”
No pavilhão Japy, parentes dos detidos, geralmente as esposas e o filhos, são convidados a separar-se dos homens. As razões apresentadas são as mesmas: “análise da situação”.
No pavilhão Japy, parentes dos detidos, geralmente as esposas e o filhos, são convidados a separar-se dos homens. As razões apresentadas são as mesmas: “análise da situação”.
No pavilhão Japy, alguns homens ainda chegam com a convocatória e são recebidos pela polícia, que guarda a entrada do edifício. Mulheres com filhos chegam com malas e pacotes. As cenas seguintes mostram-nos em uma fila, esperando a vez de entregar as malas.
No pavilhão Japy, alguns homens ainda chegam com a convocatória e são recebidos pela polícia, que guarda a entrada do edifício. Mulheres com filhos chegam com malas e pacotes. As cenas seguintes mostram-nos em uma fila, esperando a vez de entregar as malas.
No pavilhão Japy. Alguns homens ainda chegam com a convocatória e são recebidos pela polícia, que guarda a entrada do edifício. Mulheres com filhos chegam com malas e pacotes. As cenas seguintes mostram-nos numa fila, esperando a vez de entregar as malas.
No pavilhão Japy. Alguns homens ainda chegam com a convocatória e são recebidos pela polícia, que guarda a entrada do edifício. Mulheres com filhos chegam com malas e pacotes. As cenas seguintes mostram-nos numa fila, esperando a vez de entregar as malas.
Famílias aguardam no passeio em frente ao pavilhão Japy após terem sido forçadas pela polícia francesa a abandonar interior do edifício. A angústia da família é visível.
Famílias aguardam no passeio em frente ao pavilhão Japy após terem sido forçadas pela polícia francesa a abandonar interior do edifício. A angústia da família é visível.
Os moradores em torno do pavilhão descobrem o destino de seus vizinhos, agora cativos, e emocionam-se.
Os moradores em torno do pavilhão descobrem o destino de seus vizinhos, agora cativos, e emocionam-se.
Depois de algumas horas detidos no interior do pavilhão Japy, os homens deixam o local sob custódia policial e entram nos autocarros que os levarão até a Gare d’Austerlitz.
Depois de algumas horas detidos no interior do pavilhão Japy, os homens deixam o local sob custódia policial e entram nos autocarros que os levarão até a Gare d’Austerlitz.
Depois de algumas horas detidos no interior do pavilhão Japy, os homens deixam o local sob custódia policial e entram nos autocarros que os levarão até a Gare d’Austerlitz.
Depois de algumas horas detidos no interior do pavilhão Japy, os homens deixam o local sob custódia policial e entram nos autocarros que os levarão até a Gare d’Austerlitz.
Depois de algumas horas detidos no interior do pavilhão Japy, os homens deixam o local sob custódia policial e entram nos autocarros que os levarão até a Gare d’Austerlitz.
Depois de algumas horas detidos no interior do pavilhão Japy, os homens deixam o local sob custódia policial e entram nos autocarros que os levarão até a Gare d’Austerlitz.
Depois de algumas horas detidos no interior do pavilhão Japy, os homens deixam o local sob custódia policial e entram nos autocarros que os levarão até a Gare d’Austerlitz.
Depois de algumas horas detidos no interior do pavilhão Japy, os homens deixam o local sob custódia policial e entram nos autocarros que os levarão até a Gare d’Austerlitz.
Os 3710 homens detidos em Paris já foram transferidos para a estação de Austerlitz para serem internados nos campos de Pithiviers e Beaune-la-Rolande. São formados quatro comboios de vagões de passageiros: dois comboios com 2140 homens para o campo de Beaune-la-Rolande e dois comboios com 1570 homens para o de Pithiviers. Chegarão ao destino na tarde de 14 de Maio.
Os 3710 homens detidos em Paris já foram transferidos para a estação de Austerlitz para serem internados nos campos de Pithiviers e Beaune-la-Rolande. São formados quatro comboios de vagões de passageiros: dois comboios com 2140 homens para o campo de Beaune-la-Rolande e dois comboios com 1570 homens para o de Pithiviers. Chegarão ao destino na tarde de 14 de Maio.
O dia seguinte ao ataque aos campos de Pithiviers e Beaune-la Rolande. Os prisioneiros tiveram de mudar-se para barracas frias e insalubres ainda em construção. A palha que vai servir de colchão nas estrados ainda está fora dos quartéis.
O dia seguinte ao ataque aos campos de Pithiviers e Beaune-la Rolande. Os prisioneiros tiveram de mudar-se para barracas frias e insalubres ainda em construção. A palha que vai servir de colchão nas estrados ainda está fora dos quartéis.
O dia seguinte ao ataque aos campos de Pithiviers e Beaune-la Rolande. Os prisioneiros tiveram de mudar-se para barracas frias e insalubres ainda em construção. A palha que vai servir de colchão nas estrados ainda está fora dos quartéis.
O dia seguinte ao ataque aos campos de Pithiviers e Beaune-la Rolande. Os prisioneiros tiveram de mudar-se para barracas frias e insalubres ainda em construção. A palha que vai servir de colchão nas estrados ainda está fora dos quartéis.
Uma vista inédita do hangar negro, em Pithiviers, do qual até agora não existia imagem. Este é o local de recepção dos detidos nas rusgas do Vel d'Hiv e das deportações, no ano seguinte..
Uma vista inédita do hangar negro, em Pithiviers, do qual até agora não existia imagem. Este é o local de recepção dos detidos nas rusgas do Vel d'Hiv e das deportações, no ano seguinte..
O <i>gendarme</i> à esquerda, numa torre de vigia, monitoriza o acampamento de Beaune la Rolande.
O gendarme à esquerda, numa torre de vigia, monitoriza o acampamento de Beaune la Rolande.
A carta verde que foi enviada aos judeus refugiados em Paris, no início de Maio de 1941.
A carta verde que foi enviada aos judeus refugiados em Paris, no início de Maio de 1941.