E se realmente os alunos forem maus porque a escola é má?
A escola estatal tem de servir todos com qualidade, rigor, exigência, não basta servir refeições e incluir. Tem de ser o princípio ativo de qualquer sonho de qualquer criança que a frequente. É preciso coragem para retirar da inércia o pesado Sistema.
Estão aí os Rankings das Escolas 2020 e obviamente que o que vimos ao longo do dia foi um conjunto de opiniões sobre os mesmos com as naturais comparações entre público e privado.
O que se sabe é que nas primeiras 50 escolas apenas 3 são escolas estatais. Se isto não preocupa, deveria preocupar. Claro que talvez possa dar jeito desvalorizar os Rankings, mas se queremos ser sérios e resolver os problemas da escola estatal temos de olhar para estes resultados com sentido analítico e autocrítico. Independentemente de concordarmos ou não com o sistema de Rankings.
Até poderei concordar com aqueles que alegam que os rankings não aferem o real trabalho realizado pelas escolas, mas essa opinião não invalida que se consiga, nos últimos 20 anos, encontrar uma tendência. O posicionamento das escolas privadas no top e consequentemente o desaparecimento das escolas públicas. É factual e temos obrigação de encontrar causas e apontar soluções.
Não me parece descabido afirmar que há consideráveis diferenças entre alfabetizar um aluno de um meio socioeconómico desfavorecido e outro de um meio socioeconómico favorecido, por diversas razões que não importa aqui descrever exaustivamente.
Mas importa, isso sim, referir que a escola teria como obrigação compensar esta desigualdade fazendo tudo o que estivesse ao seu alcance para que academicamente qualquer aluno tenha a mesma possibilidade de alcançar o sucesso educativo.
No entanto, o que se tem visto nas escolas é — e arrisco a dizer que essa é uma perceção unânime — a exigência a baixar, o esforço a deixar de ser valorizado e os professores a terem sempre de arranjar uma forma para que não haja retenções. Não “melhorando” as escolas, mas sim pervertendo as aprendizagens, iludindo os próprios alunos, fazendo-os acreditar que estão a conseguir, que qualquer coisa lhes chega, fazendo assim com que aumente o sucesso e diminua o abandono.
Em última instância, quem sai prejudicado são sempre os mesmos, os alunos, os mais desfavorecidos, aqueles que não têm alternativa, pois têm de se sujeitar àquilo que o Estado lhes dá.
Alguém acredita que uma escola que “funciona” assim é uma boa escola?
Eu não. Por isso mesmo, tenho de concordar, em parte, com Raquel Varela quando diz num post no seu mural do Facebook “A escola não é má porque tem alunos maus, os alunos são maus porque a escola é má”.
Obviamente há escolas de excelência, sejam públicas ou privadas, mas temos de assumir que também as há, más. Assim como, mesmo que nos custe, assumir que há mais escolas estatais más que escolas privadas más e os rankings são prova disso mesmo. Onde não posso concordar é quando retira quase por completo qualquer responsabilidade aos pais e aos alunos em todo processo ensino-aprendizagem, quase como negando que haja maus alunos. Defendo que para um saudável processo de ensino-aprendizagem deva haver uma relação pedagógica que só ocorre se houver comprometimento de todas as partes envolvidas. Dito isto, os pais e os alunos terão obviamente a sua corresponsabilidade no resultado dos sucessos e insucessos.
Não interpreto esta afirmação como um ataque aos professores, como parece ter sido a interpretação de muitos colegas meus, entendo-a como uma crítica às sucessivas más políticas educativas. Uma constatação de um facto! As más políticas têm sido o motor da degradação do ensino estatal, seja através das “reformas” a cada Ministro que pega na “pasta”, seja através do constante desvalorizar da profissão e dos seus profissionais. Mal pagos, mal tratados, cada vez mais proletarizados, burocratizados, sem voz ativa no desenho das políticas e consequentemente com números altíssimos de burnout.
Se juntarmos ainda as fracas condições de muitas escolas, onde os recursos humanos e materiais são escassos, onde as turmas são quase sempre numerosas, muitas vezes mistas/multinível, independentemente dos contextos, temos tudo para que corra como afinal acaba por correr, mal. Ainda assim, é justo dizê-lo, devido ao extraordinário trabalho de alguns professores, mesmo em contextos dificílimos, fazem-se “milagres”. Mas não podemos ficar contentes apenas com pequenas histórias milagrosas.
Temos de defender uma escola de qualidade para todos, que não dependa da sorte ou da possibilidade de viver em determinada zona geográfica. Exigir que se invista na Educação decentemente, para que não se tenha de recorrer ao privado por necessidade e falta de oferta de qualidade, mas, se assim o entenderem, apenas por opção.
Parece-me lógico e importante que todos os agentes políticos pensem num Plano Estratégico Nacional do Sistema Educativo (PENSE) sério e consensual para preparar o futuro da Educação. Só com uma Educação de qualidade é que se consegue promover o acesso a melhores condições de vida, a escola enquanto elevador social.
A escola estatal tem de servir todos com qualidade, rigor, exigência, não basta servir refeições e incluir. Tem de ser o princípio ativo de qualquer sonho de qualquer criança que a frequente. É preciso coragem para retirar da inércia o pesado Sistema.
Querem garantir as aprendizagens de ontem, hoje e amanhã? Comecem por apetrechar a Escola com meios económicos, humanos, tecnológicos, didáticos e melhores condições de trabalho. Acabando com as turmas numerosas e de multinível, respeitando a diversidade dos alunos, dos níveis de ensino, das escolas, dos meios socioeconómicos onde se inserem as escolas. Dando verdadeira autonomia às escolas para cumprir estes desígnios.
O futuro de qualquer país passa sempre pelo caminho que se escolha para a sua Educação.