Maçons comparam obrigação de declaração a perseguição das ditaduras
Comparação com ditaduras, acusação de inconstitucionalidade, recusa de secretismo, ameaça de recorrer aos tribunais: os representantes de diversas entidades maçónicas ouvidos nesta sexta-feira criticaram as propostas para que políticos e altos cargos públicos passem a declarar as associações a que pertencem.
Foi um discurso crítico em uníssono aquele que os representantes de cinco entidades maçónicas levaram nesta sexta-feira à sala do Senado da Assembleia da República para criticar o projecto de lei do PAN e a proposta do PSD para a declaração facultativa (o primeiro) ou obrigatória (o segundo) da pertença a sociedades como a maçonaria, o Opus Dei ou qualquer tipo de associação, numa audição conjunta na Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados. Com várias nuances, mas com argumentos em comum: esta obrigação era comum nos regimes ditatoriais, viola direitos e liberdades de convenções internacionais e da Constituição, e sua natureza antidemocrática e inconstitucional não faz nada pela suposta transparência.
Mas não houve, ao contrário do antigo candidato a grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, José Adelino Maltez, quem tenha prometido incentivar a desobediência à lei, afirmando não declarar a pertença à maçonaria. Pelo contrário: afirmaram-se maçons orgulhosos. E também tentaram mostrar a importância acrescida de cada loja sobre as restantes – as ligações, a antiguidade, a representatividade.
Foi Fernando Lima, grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (GOL), quem primeiro lembrou que nesta sexta-feira passam 86 anos sobre a promulgação da lei 1901 que proibia as associações secretas e obrigava quem trabalhava para o Estado a declarar que não pertencia a nenhuma. “O essencial mantém-se, com a restrição desproporcional de direitos fundamentais”, apontou, acrescentando que os partidos têm laborado em dois equívocos: o “alegado carácter secreto da maçonaria” e a “obediência e fidelidade aos órgãos dirigentes”. “A maçonaria é pública nos princípios, valores e identidades dos dirigentes; discreta na actuação na sociedade; e secreta no trabalho das suas lojas. (…) A obediência é apenas aos valores, princípios e leis do Estado e ninguém é admitido no GOL sem exibir registo criminal.”
Inácio Ludgero, grão-mestre do Grande Oriente Ibérico, pegou na lei 1901 para comparar 1935 a 2021 – em que os maçons se confrontam com “uma nova tentativa, se não de exorcismo, pelo menos de condicionalismo da livre associação”. Ludgero realçou que ainda hoje há quem seja despedido e alvo de discriminação por ser maçon e vincou que a lei que se quer impor piora essa discriminação.
Pela Associação dos Juristas Católicos, José Lobo Moutinho considerou que as propostas “afectam de forma inaceitável a liberdade religiosa” e “contrariam directa e frontalmente” a liberdade constitucional de consciência e de culto. Lembrou que a liberdade religiosa é uma das liberdades fundamentais “comparáveis ao direito à vida” e que não pode ser afectada nem durante o estado de sítio ou de emergência. E criticou o PAN por pretender atingir directamente entidades como o Opus Dei em vez de fazer uma lei “geral e abstracta”, como é suposto serem as leis.
Armindo Azevedo, grão-mestre da Grande Loja Legal de Portugal, realçou que esta é a primeira vez que a maçonaria se manifesta de forma institucional sobre iniciativas legislativas e lamentou que contenham tanta “desconfiança imerecida” e que ofendam os maçons “na dignidade e na honra” ao estabelecerem ligação entre a filiação e os titulares de cargos políticos” por os ligarem a “subordinações e interesses” diferentes daqueles para que foram eleitos. Azevedo disse já ter escrito a Marcelo sobre o assunto. “Este projecto atenta contra a liberdade de consciência de todo o homem livre”, disse, alertando que a Grande Loja será internacionalmente prejudicada se houver uma lei deste género.
O grão-mestre da Grande Loja Simbólica de Portugal, Pedro Rangel, contou que escreveu ao presidente do Parlamento Europeu discordando do projecto do PAN e ameaçou recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem se for aprovado. “Porque é que temos que declarar pertença e porque não todas as outras associações? A maioria dos maçons são pessoas comuns, sem quaisquer cargos de poder. A maçonaria não é secreta e cada vez é menos discreta. Nas nossas lojas não é permitido discutir política, religião e muito menos negócios. Quando isto acontece, esses membros são chamados à atenção e caso não cumpram são convidados a sair. (…) São pessoas que têm nível social e profissional que não têm necessidade de recorrer à maçonaria para outros fins.” Rangel admite que os maçons declarem voluntariamente a pertença, mas discorda da obrigatoriedade, como propõe o PSD.
Pela Grande Loja Simbólica da Lusitânia, a grande chanceler Conceição Inácio vincou que a declaração obrigatória “não traz valor democrático acrescentado”, disse ter dificuldade em “enquadrar a definição de sociedades discretas”, e lembrou que “em todos os países governados por regimes totalitários as maçonarias são proibidas”.