Odemira: PAN pede que não se esconda “ flagelo do tráfico” e direita e esquerda disputam “quem é mais culpado”

O PAN criticou o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita. O PAN referiu também o impacto ambiental das explorações agrícolas intensivas daquela região, defendendo que “as boas práticas agrícolas têm de ser incentivadas e seguidas”.

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O pedido para debater com urgência, imigração ilegal e rede de tráfico em Odemira foi entregue no início desta semana Jose Fernandes

O PAN apelou esta quinta-feira ao Governo para não esconder “debaixo do tapete” o “flagelo do tráfico” humano, frisando que o executivo já tinha sido alertado para o problema dos trabalhadores em Odemira e noutras zonas do país. No mesmo debate, esquerda e direita debateram quem tem mais culpa.

“Nos últimos dias o país tem estado de olhos postos em Odemira, mas esta não é uma realidade recente, nem para a qual o Governo não tenha sido alertado ao longo dos últimos anos”, afirmou a deputada Bebiana Cunha, na abertura do debate de urgêrcia sobre a situação em Odemira.

A deputada indicou que esta questão, que ficou na ordem do dia devido à pandemia de covid-19, “alerta para outras zonas do país, nada que o RASI [Relatório Anual de Segurança Interna] já não indiciasse e que o SEF já não tivesse apontado” e frisou que o flagelo do tráfico que não se resume só à agricultura”.

“Só desde 2015, no Alentejo, o SEF investigou e deu seguimento a 82 casos de angariação de mão de obra ilegal, auxílio à imigração ilegal, escravatura, tráfico de pessoas para exploração laboral e trafico de menores”, elencou Bebiana Cunha, defendendo que “este não é o momento de tirar os processos que já estavam a decorrer no SEF” e que o Governo deve “prever normas transitórias que permitam as investigações chegar ao fim, sem perder prova”.

“Porque mais importante do que possa ser o ego do senhor ministro da Administração Interna é salvar vítimas, essa deve ser a missão desta casa e do Governo”, acrescentou, defendendo um “programa integrado para dar resposta a este problema multifactorial e que tenha a intervenção dos vários ministérios”.

Para o PAN, “este é um assunto demasiado sério para entrar em negacionismo de que não há tráfico de seres humanos, de que não há auxílio à imigração ilegal, de que não há fraude de documentos, enfim, uma panóplia de crimes conexos”.

“Queremos ouvir o Governo falar de vidas e de salvaguarda de direitos humanos. Queremos ter a garantia de que o Governo vai combater este flagelo e não escondê-lo debaixo do tapete, sacudir a água do capote ou jogar o jogo do empurra entre ministérios. Queremos ouvir o Governo falar sobre a resolução do Conselho de Ministros nº179/2019 que permitiu estes alojamentos diminutos e segregados”, desafiou Bebiana Cunha, questionando “quantas acções de fiscalização promoveu” a estas estruturas.

Para o PAN, é necessário apostar em “fortes campanhas de sensibilização” de combate ao tráfico de seres humanos e “é fundamental que se reforcem as equipas multidisciplinares, os meios de investigação e instrução, que garantam que se assegura a celeridade dos processos desde a investigação ao tribunal”.

Na sua intervenção, a deputada referiu também o impacto ambiental das explorações agrícolas intensivas daquela região, defendendo que “as boas práticas agrícolas têm de ser incentivadas e seguidas”.

Quem é mais culpado?

Neste debate de urgência pedido pelo PAN, o Parlamento dividiu-se sobre quem tem mais culpas, e com a cumplicidade de quem, na situação dos trabalhadores agrícolas imigrantes no Alentejo, com esquerda a apontar ao PSD e CDS e a direita ao PS, comunistas e bloquistas.

João Dias, do PCP lembrou à deputada do PSD Filipa Roseta que o seu partido esteve no Governo e que também teve responsabilidades sobre a situação, que se arrasta há muitos anos.

Foi o momento mais sonoro do debate, em que Filipa Roseta disse e repetiu, quatro, cinco, seis vezes seguidas, “não tem”, antes de o deputado João Dias ter também responsabilizado o executivo socialista pelo que está a passar-se, com a situação de centenas de imigrantes a viver em casa sobrelotadas, o que levou as autoridades a colocar um grupo em estabelecimentos turísticos.

O ataque do PSD, por Filipa Roseta, logo na abertura do debate, foi contra o Governo, por já se saber “há mais de dois anos” das “graves violações aos direitos humanos em Odemira”.

E criticou o executivo socialista por ter recusados as propostas do PSD, feitas em Janeiro de 2020, para reforçar os serviços públicos, como na segurança social, dar mais ordenamento urbano à região, que desde 2018 viu “a população crescer exponencialmente”. Concluindo, o Governo e Câmara de Odemira, ambos do PS, demitiram-se das suas responsabilidades, disse.

O PS pôs dois deputados, Pedro do Carmo e Telma Guerreiro, a defender as opções do Governo, por “agir rapidamente”.

Pedro do Carmo fez, porém, um “mea culpa”, mas colectivo, ao dizer: “É errado dizer que ninguém fez nada, quando ninguém somos todos nós. Não por não termos feito nada, mas por não termos feito tudo o que podíamos.” 

De resto, os ataques, à direita e à esquerda, seguiram-se ao longo de quase uma hora de debate.

Dos Verdes, José Luís Ferreira lembrou a responsabilidade dos executivos PSD/CDS, mas também do PS, nos últimos seis anos, e criticou a resolução do Conselho de Ministros que permitiu as habitações em contentores e os “campos de refugiados para trabalhadores agrícolas no Alentejo, citando a arquitecta e ex-deputada do PS Helena Roseta, num artigo de jornal de 2019.

Beatriz Gomes Dias, do Bloco de Esquerda, afirmou que o país “parecer que andava distraído com o problema dos imigrantes” no Alentejo, acusando os empresários de quererem “ganhar muito à custa da exploração dos trabalhadores, que muitas vezes nem recebem o seu salário”.

À direita, André Ventura, do Chega, criticou o Governo do PS por ter autorizado, há dois anos, 300 contentores como habitação em Odemira, “com a cumplicidade dos seus parceiros de esquerda”. Se o Governo está preocupado, “e bem”, disse, com os imigrantes que “vêm do Nepal, da Índia e do Afeganistão”, também deveria preocupar-se com as populações, “quem nasceu na nossa terra”.

Pelo CDS, Telmo Correia, pediu menos “partidarite” a tratar este assunto, criticou o “ataque à propriedade privada”, numa referência à requisição do empreendimento Zmar, e a “ofensa aos direitos humanos” da situação dos trabalhadores agrícolas, que “fazem muita falta”.

E criticou a decisão do Governo de extinguir o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), num momento em que o país precisa de “rigor e humanidade” neste dossier e não “fronteiras abertas”.

As freguesias de Longueira-Almograve e São Teotónio, no concelho de Odemira, estão em cerca sanitária desde a semana passada por causa da elevada incidência de covid-19.​