Autoridades indianas foram alertadas em Março para perigo da nova variante

Governo sabia que a variante detectada era mais contagiosa, mas não tomou medidas para conter a propagação. Nos últimos dois meses foram autorizados festivais religiosos e comícios políticos.

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A Índia tem visto números recordes de mortes de pessoas causadas pela covid-19 na última semana IDREES MOHAMMED / EPA

O Governo indiano ignorou os alertas deixados por um painel de especialistas que, no início de Março, avisavam para a detecção de uma nova variante do vírus SARS-CoV-2 mais contagiosa, revela a Reuters. As autoridades não tomaram providências para evitar a propagação da nova estirpe, tendo permitido vários acontecimentos que geraram aglomerações, incluindo comícios políticos.

A Índia atravessa o pior período da pandemia, batendo recordes diários de números de infecções e mortes. Foram registados mais de 400 mil casos em apenas um dia na sexta-feira, e mais de 3500 mortes. Os especialistas dizem que a subnotificação é muito elevada e, portanto, o número real pode ser ainda mais elevado.

Apesar de ser um dos maiores produtores de vacinas no planeta, a Índia enfrenta uma escassez de doses e vários estados suspenderam por completo o processo de vacinação, incluindo Maharashtra, um dos mais atingidos pela nova vaga.

Em Fevereiro, os cientistas do consórcio de genética do SARS-CoV-2 da Índia, conhecido como Insacog, identificaram pela primeira vez a variante B.1.617, hoje descrita de forma comum como “variante indiana”, disse à Reuters o director do Instituto para as Ciências da Vida, Ajay Parida, que integra o consórcio.

A descoberta foi encaminhada para o Centro Nacional de Controlo de Doenças que, por sua vez, informou o Ministério da Saúde. A Reuters não conseguiu confirmar se o alerta chegou ao gabinete do primeiro-ministro, Narendra Modi, mas um dos membros do consórcio revelou que um alto dirigente que responde directamente ao chefe do Governo teve conhecimento. O executivo indiano não respondeu aos pedidos de esclarecimento da Reuters.

O Insacog começou a preparar um comunicado para ser divulgado ao público em que descrevia as mutações apresentadas pela nova variante como “altamente preocupantes” por tornarem o vírus muito mais contagioso em relação à sua estirpe regular.

Só na última semana de Março é que o Ministério da Saúde divulgou o comunicado, embora retirando a expressão que descrevia a nova variante como “altamente preocupante” e reforçando apenas as medidas já em curso: testagem e quarentena.

Não foram adoptadas medidas extraordinárias para fazer face à ameaça que a nova variante representava. Nos últimos dois meses, milhões de pessoas participaram em actos religiosos, e comícios de vários partidos que participaram em eleições locais, incluindo do Bharatiya Janata, o partido nacionalista hindu de Modi.

“Preocupa-me que a ciência não tenha sido tomada em consideração para basear as políticas”, disse à Reuters o presidente do Insacog, Shahid Jameel. “Mas sei onde termina a minha jurisdição. Como cientistas, fornecemos provas, a elaboração de políticas é uma tarefa do Governo.”