As revelações de que sofreu de assédio não são novas. Em 2018, Catarina Furtado falou abertamente do tema num programa da Rádio Comercial. Agora, e depois de a actriz Sofia Arruda ter assumido não só que foi vítima de assédio sexual, mas também que foi prejudicada profissionalmente por não ter cedido, a apresentadora da RTP volta ao tema, numa entrevista ao Expresso. Catarina Furtado foi vítima e enumera três pessoas com cargos superiores ao seu, não revelando os seus nomes. “A mediatização dos nomes não é o relevante, é só voyeurismo, e não leva a uma alteração daquilo que é importante”, ou seja, a mudança de comportamentos, defende.
“Fui alvo de assédio sexual em diferentes situações, por parte de três pessoas com cargos hierárquicos superiores a mim, no início da minha carreira. Uns fizeram-me convites insinuantes, óbvios, que não davam margem para eu ter dúvidas do que era pretendido, outros eram mais rebuscados. Mas percebia-se completamente as suas intenções. Não havia margem para dúvidas. Eu sei distinguir piropos inconsequentes de intenções do foro sexual”, afirma ao Expresso.
A actriz e apresentadora, de 48 anos, refere que era “muito nova”, estava no início de carreira e que não tem dúvidas de que foi assediada. Então, fez o que tantas mulheres fazem, fingiu que não era nada consigo, continua. “Fui esquiva, descartando a possibilidade de acontecer alguma coisa. Mas não disse o ‘não’ que hoje em dia diria, com o empoderamento que ganhei para o fazer. Hoje em dia teria dito claramente ‘não’. Na altura não o disse, no entanto não permiti que acontecesse nada”, declara a embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA, na sigla inglesa).
Na altura, conseguiu resolver a questão sozinha, sem sofrer represálias. “Apesar da minha tenra idade, recorri à minha inteligência emocional, ao jogo de cintura, não caí na armadilha, e consegui evitar uma relação de hostilidade, de conflito. Mas é preciso analisar porque é que consegui não cair na armadilha. Apesar de sentir medo de perder alguma coisa que estava a conquistar por mérito próprio, tinha uma retaguarda familiar, sabia perfeitamente que tinha um porto seguro”, continua a fundadora da Associação Corações com Coroa, ao Expresso. Recorde-se que a apresentadora é filha do jornalista Joaquim Furtado, um nome de referência na profissão, e reconhece: “Muitas raparigas e mulheres não têm um porto seguro e vêem os seus empregos ameaçados. É particularmente grave quando o assédio vem de alguém com mais poder e compreende-se o medo que as mulheres sofrem numa situação destas.”
Machismo de homens e mulheres
A ascendência das mulheres não é um impedimento para os assediadores. Aos 22 anos, Gwyneth Paltrow foi assediada pelo produtor Harvey Weinstein — que, há um ano, foi condenado a 23 anos de prisão. A actriz não era uma recém-chegada a Hollywood pois é filha do realizador Bruce Paltrow e da actriz Blythe Danner, e, na altura, namorava com Brad Pitt. Quando o escândalo que deu origem ao movimento #MeToo, nos EUA, rebentou em 2017, Gwyneth Paltrow soube que o ex-produtor usava o seu nome e fotografias suas, dizendo que tinha dormido com ela, para convencer outras mulheres a fazê-lo.
A carreira de Harvey Weinstein foi destruída depois de o New York Times e a New Yorker publicarem artigos sobre o comportamento do produtor, de assédio e abuso sexual, incluindo violação. Em muitos dos alegados casos, mulheres denunciaram que Weinstein as convidava para o seu quarto de hotel sob o pretexto de uma reunião profissional, mas depois pedia-lhes massagens ou sexo. Foi o que aconteceu com Paltrow, declarou a mesma.
Catarina Furtado, que fez a sua formação em dança no Conservatório, acredita que o assédio é fruto da desigualdade de género, do machismo — de homens e de mulheres, no caso destas, que tantas vezes atribuem a culpa às vítimas, aponta. “A tónica está sempre muito mais nas vítimas do que nos agressores. É fundamental encontrar as causas, perceber como as combater, dialogar com todos os intervenientes de forma construtiva, com exigente reflexão, apoio da legislação, partilha de informação e urgente prevenção”, escreve na sua conta de Instagram, no sábado passado, onde revela que nos últimos dias foi contactada por vários meios de comunicação social para falar sobre o tema.
O vídeo, nessa publicação, é sobre o Relatório Mundial sobre População, das Nações Unidas, e Catarina Furtado testemunha a sua passagem, quer como embaixadora da UNFPA, quer como documentarista, por diversos países onde mulheres vítimas de violência tomaram as rédeas das suas vidas, trabalhando com outras mulheres e sendo agentes de mudança. A responsável acredita que o primeiro direito das raparigas e das mulheres é o da autodeterminação sobre o seu corpo.
Ao Expresso, Catarina Furtado termina dizendo que deseja que o Governo e as instituições tenham “tolerância zero” para a violência e o assédio sexual, para que as vítimas estejam mais protegidas. “É preciso libertar as vítimas do peso dos segredos monstruosos e os agressores têm de começar a repensar o papel que têm tido e devemos dar-lhes a oportunidade de fazerem diferente.”