Irão volta a condenar britânica por “propaganda contra o regime”
Marido de Nazanin Zaghari-Ratcliffe acusa Teerão de deter cidadãos como táctica de negociação e acusa Governo do Reino Unido de inércia.
Um tribunal iraniano anunciou esta segunda-feira a nova sentença da britânica com dupla nacionalidade iraniana, Nazanin Zaghari-Ratcliffe, por “propaganda contra o regime” iraniano, depois de já ter cumprido cinco anos de prisão. A nova acusação contempla mais um ano de prisão e a proibição de sair do país no ano seguinte, avançou o seu advogado à Associated Press.
Quando foi libertada em Março da prisão domiciliária, devido à pandemia – no último ano da pena -, surgiu uma réstia de esperança. Mas foi por pouco tempo: as autoridades iranianas já preparavam novas acusações por Zaghari-Ratcliffe ter participado num protesto junto à Embaixada iraniana em Londres, em 2009, e por falar com uma jornalista da BBC no mesmo encontro.
O advogado de Zaghari-Ratcliffe foi convocado ao tribunal nesta segunda-feira e o marido, Richard Ratcliffe, irá recorrer da sentença nos próximos 20 dias. Não foi claro se Nazanin terá de cumprir a pena na prisão ou em prisão domiciliária, mas não está, ainda, detida, adiantou o marido, citado pela BBC.
Iran's decision to sentence Nazanin Zaghari-Ratcliffe to another year in prison is cruel, inhumane and wholly unjustified. She must be allowed to return to her family in the UK and we will continue to do all we can to get her home.
— Boris Johnson (@BorisJohnson) April 26, 2021
Nazanin Zaghari-Ratcliffe trabalhava na Fundação Thomson Reuters, uma divisão da agência noticiosa dedicada a questões humanitárias, quando foi detida em Teerão, numa viagem de férias para apresentar a filha de 22 meses aos pais. Tanto a fundação como Zaghari-Ratcliffe negaram as acusações.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, denunciou a nova sentença de prisão, acreditando que Nazanin não deveria “estar lá em primeiro lugar”. Mais: demonstrou o apoio do Governo e anunciou estar a trabalhar com as autoridades norte-americanas, “tal como fazemos com todos os casos de dupla nacionalidade no Irão”, lê-se no Guardian.
Na mesma linha, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Dominic Raab, partilhou no Twitter que a nova pena de prisão é “cruel, inumana e completamente injustificada” e, por isso “deve ser autorizada a voltar para a sua família no Reino Unido”.
This is a totally inhumane and wholly unjustified decision.
— Dominic Raab (@DominicRaab) April 26, 2021
We continue to call on Iran to release Nazanin immediately so she can return to her family in the UK. We continue to do all we can to support her.
“Táctica de negociação”?
O caso ganhou relevância por ter acontecido num período de grande tensão entre o Irão e o Reino Unido. E o novo desenvolvimento do caso acontece noutro contexto relevante: as negociações de Viena para reatar o acordo nuclear de 2015, a que se junta uma dívida britânica por pagar ao Irão.
Devido a uma venda de armas em meados dos anos 1970, Londres deve a Teerão cerca de 460 milhões de euros. Esta dívida é geralmente aceite como o motivo por trás das detenções arbitrárias. Aliás, segundo Richard Ratcliffe, as autoridades iranianas já tinham afirmado à esposa que seria libertada quando o Reino Unido pagasse o que deve.
A dívida foi confirmada à BBC por um ex-responsável do Foreign Office, Lord McDonald, que afirmou acreditar que Nazanin poderia voltar em breve. Ainda assim, rejeitou a relação entre a dívida e a detenção de cidadãos no Irão.
O Irão voltou também a sentar-se à mesa das negociações de Viena, em que o Reino Unido também participa. Segundo o diário britânico, o Governo de Boris Johnson tem-se mostrado relutante em levantar questões dos direitos humanos no contexto das negociações de Viena, tratando-as como negociações autónomas.
Richard Ratcliffe considera a sentença como um mau sinal, reflexo da inércia do Governo, sendo ao mesmo tempo “uma táctica de negociação” por parte das autoridades iranianas, envolvidas nas negociações nucleares de Viena, disse a BBC.
Segundo o New York Times, várias organizações pelos direitos humanos, incluindo a ONU, e responsáveis ocidentais, acusam o Irão de deter cidadãos com dupla nacionalidade com acusações sem provas. E questionam se as detenções servem de moeda de troca para obter dinheiro ou influência em negociações com países ocidentais - ideia negada por Teerão e Londres.