Sócrates: a autocrítica do PS não vai existir
“É um risco institucional para a democracia, para o PS e para o futuro do país como é que alguém que admite fazer o que fez chegou onde chegou”, disse um vice-presidente do PS, a pedir uma “introspecção” sobre o caso Sócrates. Mas foi mandado calar.
Um dos acontecimentos políticos mais notáveis da última semana foi o apelo de um vice-presidente do grupo parlamentar do PS chamado Pedro Delgado Alves para que o partido fizesse uma “introspecção” sobre o caso Sócrates — e a fizesse apenas com base em todas as declarações que o ex-primeiro-ministro foi fazendo ao longo do processo. “É um risco institucional para a democracia, para o PS e para o futuro do país como é que alguém que admite fazer o que fez chegou onde chegou”, disse o vice-presidente da bancada, que defende que, se o PS não fizer essa “introspecção política”, “perde uma oportunidade para si e para a democracia”.
A verdade é que Pedro Delgado Alves não é conhecido por ser propriamente um incendiário ou um outsider, o que torna a sua reacção absolutamente corajosa. Assume que o caso Sócrates “é um problema ainda não enfrentado” e que, goste-se ou não, “anatemiza o PS”, que “é apontado como tendo permitido, como não tendo feito nada”.
Pedro Delgado Alves disse isto no programa Sem Moderação, do Canal Q, na quarta-feira da semana passada, em que também admitiu que “na cultura política nacional não se consegue discutir”, por causa das “relações pessoais, de amizade”. Dito e feito: no dia seguinte, quando quis abordar o tema Sócrates na reunião do grupo parlamentar do PS, foi mandado calar pela líder, Ana Catarina Mendes, que já antes tinha pedido “recato” a tratar do assunto. Se Delgado Alves acha o “incómodo difícil de gerir”, que “não deve dispensar as instituições de fazer a autocrítica sobre o que correu mal”, percebeu-se que está mais ou menos sozinho. O PS não vai fazer nada, não só porque quase todos estiveram “lá” (isto é, com Sócrates), como a maioria fechou os olhos aos indícios que vinham sendo tornados públicos (com a excepção de Ana Gomes e poucos mais). Como com todos os outros traumas nacionais, escolhe-se a decisão infantil e cómoda: esquecer. Sócrates nunca existiu e ninguém reparou em nada ou se reparou fingiu que não reparava. A António Costa basta repetir o que disse há seis (!!!) anos — “À política o que é da política, à Justiça o que é da Justiça” — e chutar a bola para a frente.
E, sim, sem autocrítica, o PS perde uma oportunidade “para si e para a democracia”. A única coisa que se salvou foi a consciência de que é preciso legislar no sentido de ter leis mais fortes para punir a corrupção e o enriquecimento súbito injustificado e aprovar a proposta da Associação Sindical dos Juízes, como aqui Manuel Carvalho já defendeu. Agora, finalmente, do Presidente da República ao presidente da Assembleia da República, ao primeiro-ministro, que ontem pela primeira vez veio defender a proposta, parecem todos de acordo. O PS não fará a introspecção, mas pelo menos vai aprovar uma boa lei.