Não me agarrem, que isto é inclusão
O comportamento em causa é uma defesa táctil – causado por uma aversão sensorial a um certo tipo de toque. A acção em causa não foi maldosa – faz parte da rotina de levar as crianças à casa de banho, tocando-as assertivamente. Mas para a minha filha não é um toque bom. Porque as crianças não têm todas as mesmas respostas sensoriais a estímulos.
A minha filha sai da escola, entra no carro, e diz-me, muito agitada, que foi agarrada. Digo-lhe para estar tranquila, que falo com a professora para não acontecer outra vez. Ela acalma-se, e no dia seguinte vai para escola, em paz e feliz.
Quantas pessoas se identificam com este episódio? Parece relevante, ou algo trivial? A minha filha é autista, e digo-vos, é muito importante. Tão importante, ao ponto de escrever este texto para mostrar o que é a inclusão, e a importância do diagnóstico.
O comportamento em causa é uma defesa táctil – causado por uma aversão sensorial a um certo tipo de toque. A acção em causa não foi maldosa – faz parte da rotina de levar as crianças à casa de banho, tocando-as assertivamente. Mas para a minha filha não é um toque bom. Porque as crianças não têm todas as mesmas respostas sensoriais a estímulos.
Como a minha filha é autista, tem acompanhamento na escola de uma professora de educação especial e de duas terapeutas, ocupacional e da fala, que funcionam como “tradutoras” do comportamento. Podem explicar de que se trata: uma aversão sensorial. Com esta informação, a escola pode acomodar a minha filha – transmitir às profissionais envolvidas que não se trata dum capricho da criança, nem dum mau comportamento, mas das suas características sensoriais. Não se pretende impedir toques carinhosos, afectos, através duma política de “não tocar”. Trata-se de saber tocar.
A minha filha está numa escola pública – EB1 de Santa Rita, do Agrupamento de Escolas da Lousã. O apoio das terapeutas é prestado pelo Centro de Recursos para a Inclusão da ARCIL. Teve o diagnóstico no Hospital Pediátrico do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Foi lá que nos disseram: “a melhor terapia é a escola”. E é verdade. Mas para a escola ser a melhor terapia, ela tem de se tornar num “ambiente interpretativo” – onde as necessidades sensoriais da criança são tidas em conta.
Parece simples? Mas não é. Requer da parte de todo o ambiente escolar uma atenção partilhada à criança. É com terapeutas tradutores e com uma boa comunicação com a família e com todas as pessoas que compartem a vida da criança que se produz este ambiente que lhe permite aprender e florescer, ao seu ritmo. É este ambiente escolar terapêutico que produz os melhores resultados.
Infelizmente, há muitos obstáculos a que se produza este ambiente tão necessário a todas as crianças, em particular as autistas. Para começar, há um medo enorme ao diagnóstico, ao “rótulo”, partilhado por profissionais de saúde e membros da família, que fazem com que a escola não tenha acesso às informações que necessita para interpretar e acomodar a criança. O resultado é um desastre: meltdowns permanentes consideradas “birras”. Crianças expulsas. Agressividade. “O que fazer quando a criança se passa?”, perguntava-me uma professora doutra escola. Respondi que o mais importante é compreender porquê que “se passa” – para evitar ou minimizar esse comportamento.
Por vezes, as acomodações são tão simples como colocar bolas de ténis nas cadeiras para que não façam ruídos sob chão de tijoleira. Ou a criança poder sair da sala com uma auxiliar educativa para se acalmar. Por vezes, as acomodações são tão simples como poder chegar uns minutos mais tarde, para entrar bem-disposta e regulada depois de uma má noite de sono.
Isto é Lousã, com anos de experiência na implementação da Escola Inclusiva. A inclusão faz-se todos os dias, e há que mostrar que é possível. E quero acreditar se é possível aqui, tem de ser possível em todo o lado.