Exposição
Salomé Lamas conduz-nos numa viagem imersiva sobre o progresso, o privilégio e o silêncio
A realizadora Salomé Lamas apresenta a exposição Gaia e as reflexões que a motivaram: sobre o progresso científico, o privilégio, a nossa relação com a natureza e a urgência do silêncio. Pode ser visitada no Gnration, em Braga, até 29 de Maio.
O progresso científico dá-nos mais anos de vida, permite-nos sonhar com a vida humana longe da Terra. Enquanto a SpaceX, de Elon Musk, lança mais um foguete para uma missão espacial tripulada, há quem prefira isolar-se da tecnologia e fugir das cidades para viver em aldeias auto-sustentáveis. Com que traços desenhamos o futuro, como evoluirão as nossas relações? São inquietações que a realizadora Salomé Lamas tenta digerir na exposição Gaia, até 29 de Maio no Gnration, em Braga.
A exposição foi desenvolvida ao abrigo do programa Scale Travels, que cruza a arte e a nanotecnologia, através de uma parceria entre o Gnration e o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), também sediado em Braga. O projecto Gaia interliga-se ao Extraction: A Jangada da Medusa, uma “alegoria para o estado de emergência nas políticas ambientais”, também de Salomé Lamas, que fica numa segunda sala da exposição em Braga, onde é projectado um filme.
“Ambos os projectos são uma afirmação política. O que o Gaia faz é dizer: precisamos de silêncio, há demasiado ruído, demasiada histeria”, afirma Salomé Lamas. “O nosso mundo gira em volta do lucro dos privilegiados. Vivemos numa sociedade que atira pessoas borda fora. Porque é que a minha vida, sendo branca, valerá mais do que a vida de alguém negro em Portugal?”
A realizadora e artista visual foi convidada, no final de 2019, pelo director artístico do Gnration, Luís Fernandes, para fazer uma peça audiovisual, em parceria com o INL. Em Março de 2020, a pandemia interrompeu, ao segundo dia, a residência artística que Salomé teria para conhecer de perto o trabalho nos laboratórios de nanotecnologia, e obrigou-a a repensar esta peça artística.
Salomé comprou, no eBay, um meteorito. Algo semelhante a uma pedra do tamanho de uma moeda de cinco cêntimos. “Uma pedra minúscula que estava no nosso planeta antes da existência humana, que assiste à criação da vida, ao apocalipse e seu desaparecimento. Relembra-nos de que tudo isto é muito maior que nós”, explica ao P3.
No Laboratório de Nanotecnologia, um dos cientistas gravou no meteorito um código QR, invisível a olho nu, que, quando lido por um smartphone, levará a uma viagem auditiva e imersiva pelo percurso do meteorito, obrigando-nos a parar, ao silêncio e à reflexão. O código QR pode agora ser lido numa pequena placa na parede da exposição Gaia, onde se vêem também os detalhes do meteorito à escala nanométrica. É o único objecto numa sala praticamente vazia, onde o chão foi coberto por carvão mineral. O código funcionou, também, como estratégia para contornar as limitações impostas pela pandemia. Cada pessoa tem acesso ao som no telemóvel, e usa os próprios headphones.
Está ainda a ser produzida a última parte do projecto Gaia, um livro e um vinil, onde se criarão pontes entre excertos da bibliografia de uma série de filósofos contemporâneos, base para as reflexões que motivaram a exposição. “Acho que a única forma de escaparmos a esta embrulhada que criámos é convocar as várias áreas do saber, numa colaboração multidisciplinar”, defende Salomé Lamas, sobre os proveitos da união da arte à tecnologia, e, neste caso, à nanotecnologia. “Também os artistas produzem conhecimento, mas um problema não se resolve só com a Arte, ou só com a Ciência. Temos de fazer um esforço colectivo.”