Retrato de mulher em chamas
A “vida de bordel” em toda a sua crueza, sem moral, emergindo o retrato de uma anti-heroína.
É o cinema que nos deixa perceber a importância que a “cultura do bordel” teve em França até dado passo do século XX, e ainda em meados dos anos 60 o primeiro filme de Jean Eustache (Le Père Noel a les Yeux Bleus) se concluia com um grupo de adolescentes, pelas ruas de uma cidade de província, aos gritos de “au bordel! au bordel! au bordel!”. É um pouco o fim disto, com todas as ambiguidades associadas (mas jogando justamente com essa ambiguidade, nomeadamente ao nível das relações de poder masculino-feminino), que Sylvie Verheide conta em Madame Claude (Netflix), cuja narrativa começa mais ou menos na mesma altura em que os adolescentes de Eustache gritavam a sua voracidade sexual. Evidentemente, não estamos na província: o bordel de Madame Claude (personagem já filmada nos anos 1970 por Just Jaeckin, o “inventor” de Emmanuelle) situava-se em Paris e era frequentado pela fina flor da sociedade e do jet set internacional (entre os frequentadores nomeados no filme contam-se Marlon Brando, JFK, o xá do Irão...), o que faz uma certa diferença. Como uma certa diferença fazia o acesso a segredos (inclusivamente, “de estado”) que o controlo sobre a alcova dava a Madame Claude, e tudo isto, como uma intriga de espionagem reflectida em espelhos de boudoir, é contado no filme de Verheyde, sob forma mais ou menos críptica (para quem não dominar uma história “secreta” da política francesa dos anos 60 e 70), como razão para a tolerância oferecida às actividades de Madame Claude, primeiro, e depois para a sua queda em desgraça.
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