A Quinta dos Ingleses esmagada pelo betão

Os 52 hectares da Quinta dos Ingleses, em Cascais, são especiais não só pela sua dimensão, mas pelo que acolhem. No que respeita à flora, foi identificado um total de 298 espécies arbóreas.

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Nuno Ferreira Santos

No mês passado, o PAN veio propor a classificação da Quinta dos Ingleses como “Paisagem Protegida”. Trata-se de uma área verde com mais de 50 hectares junto à praia de Carcavelos bem conhecida pela população local e um raro exemplo de biodiversidade num concelho densamente povoado.

De acordo com dados da Global Forest Watch, Portugal é um dos cinco países no mundo com maior perda percentual de coberto arbóreo (24.6%). Uma aplicação web resultante de monitorização constante através de imagens de satélite demonstra essa perda. Ao abrir o site, os resultados são chocantes: Portugal vem manchado por uma enorme perda de coberto arbóreo de norte a sul do país. É claro que por trás desta perda de floresta estão os grandes incêndios de onde se observa o nefasto ano de 2017 que roubou vidas e marcou para sempre a memória de Pedrógão Grande e do país.

Ao mesmo tempo, é surpreendente que em Lisboa e Setúbal se verifiquem perdas significativas. O impacto de concelhos mais urbanizados como Cascais e Oeiras também é visível, especialmente considerando que estes concelhos partem de um ponto já largamente urbanizado.

O mapa seguinte mostra as causas da perda de coberto arbóreo por região, estando a roxo as perdas por urbanização, a verde as relativas à mudança da floresta (que podem resultar de incêndios), a castanho perdas directas resultantes de incêndios e amarelo zonas em que o solo passou a ser usado para agricultura.

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Em Cascais, entre 2001 e 2019, a perda foi de 216 hectares. Se notarmos que trocar floresta por urbanização é uma decisão permanente, num concelho já excessivamente urbanizado, o caminho é perigoso e contraria a narrativa de um executivo municipal que se orgulha de adoptar uma estratégia para a adaptação às alterações climáticas.

Os 52 hectares da Quinta dos Ingleses são especiais não só pela sua dimensão, mas pelo que acolhem. No que respeita à flora, foi identificado um total de 298 espécies arbóreas. Apesar de sujeitas a regime especial de protecção de acordo com o Regulamento Municipal de Cascais de Espaços Verdes e de Protecção da Árvore, está previsto o seu abate. Ao nível da fauna, existem seis espécies de mamíferos, uma das quais, o coelho-bravo, considerada espécie em perigo, de acordo com a lista vermelha da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza). Na área de intervenção existem três espécies de anfíbios e cinco espécies de répteis, uma das quais, a Salamandra salamandra ou Salamandra-de-pintas-amarelas, considerada espécie ameaçada de acordo com a lista vermelha da IUCN.

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Face à enorme perda que isto representa, todas as árvores contam. Cabe-nos preservar árvore a árvore, ramo a ramo, aquilo que resta. A não-betonização ao nível dos concelhos já muito urbanizados e com tanto edificado que necessita de restauro é algo sobre o qual devemos reflectir seriamente. A única tecnologia que temos neste momento para capturar carbono atmosférico em larga escala é a fotossíntese e o seu valor sobrepõe-se ao da especulação imobiliária. Há uma enorme responsabilidade em preservar os últimos redutos verdes como a Quinta dos Ingleses e Cascais terá de dar esse exemplo. É urgente que se suspenda o quanto antes o projecto para que o Parlamento conclua o processo legislativo em curso a bem de um concelho com futuro.

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