O mundo precisa de um tratado para as pandemias, diz a OMS e 24 países — incluindo Portugal
A proposta será levada à Assembleia Geral da Saúde, em Maio. A ideia é lançar as bases para que a próxima epidemia global não nos apanhe tão desprevenidos como aconteceu com a covid-19.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) e 24 países estão a propor a criação de um tratado internacional para as pandemias, para usar as lições aprendidas com a covid-19 para a próxima epidemia a dar a volta ao globo. Entre os objectivos concretos desse tratado podem estar as regras para a partilha de informação entre os Estados, a partilha de patógenos, como vírus, e de tecnologia – por exemplo, de vacinas –, explicou Tedros Adhanom Ghebreyesus, director-geral da OMS.
“Já se passaram 425 dias desde que declarei uma emergência global e saúde [por causa da covid-19]. O mundo não pode ficar à espera do fim desta pandemia para começar a planear como lidar com a próxima. São os mais fracos e vulneráveis que sofrem mais o impacto da pandemia, porque é que haveríamos de esperar que seja diferente da próxima vez?”, disse Tedros Ghebreyesus, numa conferência de imprensa na Internet.
A necessidade deste tratado global foi defendida por 24 países e pela OMS numa declaração publicada nesta terça-feira em em jornais de todo o mundo, entre os quais o PÚBLICO. Chefes de Estado e de Governo de vários países europeus, como António Costa, Angela Merkel e Emmanuel Macron, mas também o Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, ou o Presidente da Costa Rica, Carlos Alvarado Quesada, entre outros, dizem ser preciso “construir uma arquitectura internacional da saúde mais robusta, que protegerá as futuras gerações”.
Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, juntou-se à OMS para defender a necessidade deste tratado global. “A covid-19 deu-nos uma lição brutal: nenhum país, nenhum continente pode derrotar sozinho esta pandemia”, afirmou. “E a próxima não é uma questão de ‘se’ virá, mas ‘quando’ virá”, sublinhou.
Neste tratado, os líderes comprometem-se também “em garantir o acesso universal e equitativo a vacinas, medicamentos e diagnósticos seguros, eficazes e acessíveis para esta e futuras pandemias”.
Confrontado pelos jornalistas com o facto de a União Europeia estar a seguir a política de comprar grandes quantidades de vacinas e defender a manutenção das patentes da indústria farmacêutica, Charles Michel salientou a elevada contribuição da UE para a iniciativa COVAX – mil milhões de euros –, através da qual a Organização Mundial de Saúde (OMS) e outras organizações pretendem comprar vacinas para imunizar pelo menos 20% da população mundial.
Neste momento só é ultrapassada pelos Estados Unidos, que recentemente fizeram a oferta de um investimento de quatro mil milhões de dólares (3310 milhões de euros) à iniciativa, anunciado na reunião do G7 de Fevereiro. Michel recordou também os números de exportação de vacinas a partir da UE.
A ideia do tratado será submetida à discussão da próxima Assembleia Mundial da Saúde, em Maio, e até lá os seus subscritores esperam recrutar mais apoios. Talvez a China ou os Estados Unidos, que não se encontram entre os subscritores da declaração publicada nesta terça-feira.
“O objectivo agora é envolver o maior número possível de países. Não foi um problema que se colocou, ter o apoio da China ou dos EUA, mas até tivemos uma boa reacção, nas discussões que tivemos”, garantiu Tedros Ghebreyesus. A OMS continua a ser uma organização com um equilíbrio delicado entre estas duas potências.
Quanto ao conteúdo do tratado, e às eventuais sanções para os que o assinarem e não o cumprirem, caberá aos Estados-membros da OMS definirem-nos. Mas para a OMS pode representar uma oportunidade de lhe dar competências, ao nível da investigação científica ou da previsão, prevenção e luta contra eventuais pandemias, se estabelecer regras e canais para a troca de informações, tecnologia, materiais biológicos, salientou Mike Ryan, director do Programa de Emergências de Saúde da OMS. “Pode ser o impulso de confiança de que precisamos”, concluiu.
Mas sendo um tratado, terá de ser depois ratificado a nível nacional por cada Estado-membro da OMS. Pode ser mais um obstáculo a que entre em vigor, mas também pode criar oportunidades para que os Governos e Parlamentos nacionais discutam planos de prontidão pandémica, disse Jaouad Mahjour, director-geral-adjunto da OMS responsável os Regulamentos Internacionais de Saúde – o quadro jurídico internacional que define os direitos e obrigações dos países para lidar com situações em que está em causa a saúde pública e emergências de saúde que podem cruzar fronteiras, como é o caso da pandemia de covid-19.
“Como disse o presidente Charles Michel”, disse Mahjour, adaptando o lema muito usado pelos líderes europeus, “o mundo não está preparado para uma pandemia se houver um país que não está preparado”.