“Sou feminista, mas...”
Criado por Deborah Frances-White e no ar desde 2015, o podcast semanal The Guilty Feminist tem-se dedicado a discutir os grandes temas que afectam as mulheres em pleno século XXI, desde a igualdade de género à auto-determinação sexual, desde a emancipação financeira ao ecofeminismo.
“Sou feminista, mas uma vez fui a uma marcha pelos direitos das mulheres e ao entrar numa loja de roupa para ir à casa de banho acabei por me distrair a experimentar cremes de beleza. Quando finalmente saí da loja, a marcha tinha acabado!” Assim começa o podcast The Guilty Feminist, vencedor dos British Podcast Awards 2020.
Criado por Deborah Frances-White e no ar desde 2015, este podcast semanal com mais de 70 milhões de downloads tem-se dedicado a discutir os grandes temas que afectam as mulheres em pleno século XXI, desde a igualdade de género à auto-determinação sexual, desde a emancipação financeira ao ecofeminismo, do fim do patriarcado ao fim da luta de classes, da igualdade racial ao feminismo liberal, passando pelos movimentos libertários, fim do colonialismo, o combate ao capitalismo, mas também a percepção do corpo e o conceito de beleza, educação, arte e feminismo, auto-estima, as mulheres e a liderança, o papel dos media, entre tantos outros temas à distância de um simples clique num podcast de acesso universal.
Esta celebração do feminismo, apesar de bem-vinda, não deixa no entanto de apontar o dedo o dedo às hipocrisias e inseguranças que comprometem as feministas. Na verdade, é este mesmo apontar do dedo a razão de ser do podcast.
Discutamos, por conseguinte e para começar, a auto-estima e o quão confortáveis se sentem as mulheres com o seu corpo. Em jeito de debate, o mote é lançado à audiência para que se comece a discussão:
- “Sou feminista, mas gosto de usar vestidos com decote para que outros reparem em mim”;
- “Sou feminista, mas uma vez perguntei a um homem o que preciso de mudar para que gostes de mim?”.
Discutamos, também, a nudez e o direito à privacidade, o desconforto de tomar banho no ginásio, a segurança de uma toalha, mesmo se a mulher está em casa, mesmo se só e onde ninguém a vê, porque é o seu corpo e o corpo é, isso mesmo, seu. Mas, e ao mesmo tempo, discutir esta necessidade inconsciente, mas também social e socialmente imposta, de quem procura tapar não apenas o corpo mas as imperfeições entre estrias e gorduras e a auto-recriminação imediata.
Quem determina o que é ou não perfeito e de onde vem este sentimento de culpa de não corresponder às expectativas dos outros, dos homens e tantas vezes das mulheres, nossas mães, avós, tias, em si mesmas o reflexo de uma sociedade machista onde a mulher não tem voto ou voz? Uma sociedade onde a mulher não tem rendimento, sustento, independência, condicionada e condenada a contentar-se com o olhar masculino e as poucas migalhas no chão.
Para desconstruir percepções, não, imposições sociais, é preciso desafiarmo-nos, expormo-nos, despirmo-nos e não rapes as pernas nem os sovacos, a maior parte dos homens não rapa as pernas nem os sovacos e porquê este desconforto com o corpo e quem impôs uma imagem, esta imagem, este estereótipo contra o qual todas as mulheres se comparam? “Sou feminista, mas quando uma vez uma mulher me recusou um emprego por eu ser mulher gritei em alto e bom som na casa de banho: ‘Porque é que eu não nasci homem, porque é que eu não nasci homem?’”. “Sou feminista, mas apesar dos horrores da fotodepilação insisto em continuar sob o pretexto de querer parecer mais nova.”
No podcast The Guilty Feminist, discutem-se dietas alimentares e porque razão têm as mulheres de pedir desculpa no restaurante, no café ou pastelaria pela vontade de comer todos os bolos e gelados deste mundo e outro? E porque não beber pela simples alegria e vontade de beber? E comer doces sem vergonha, comer sem culpa mas também pedir ao empregado sem vergonha e, acima de tudo, sem pedir desculpa a ninguém e muito menos a si mesmas. Pedir e comer, sem rodeios nem remorsos, sem partilhar, comer pela felicidade de comer e comer é um direito fundamental.
E acabar de uma vez por todas com os interrogatórios sem fim sobre dietas, as comparações intermináveis e os paternalismos insuportáveis nos jogos olímpicos da fome que é esta vida. Porque é preciso questionar esta sociedade onde as mulheres se medem em função da aparência e os homens em função do sucesso.
Os temas sucedem-se no The Guilty Feminist para uma plateia feminina que não só quer falar de pornografia, mas também não tem vergonha da pornografia, os homens não têm. Questione-se a pornografia e a objectificação da mulher como fonte de prazer para os homens e nunca o contrário. Basta fazer uma busca por “pornografia para mulheres” para concluir ser a mesma uma pequena secção dos sites pornográficos e nunca o contrário e a razão tão óbvia. Isso ou sai-nos na rifa pornografia homossexual, de homens para homens. A vantagem da pornografia homossexual? O deleito pelo corpo masculino sem que as mulheres tenham de se comparar com a mulher, a mulher objectificada.
Os temas sucedem-se e as conversas também neste convite não só à sororidade, mas à igualdade e inclusão, longe das normas, das regras, dos juízos de valor, dos espelhos, dos outros e das outras incapazes de aceitar as mulheres como mulheres que são, não apenas femininas e felizes mas escandalosamente livres.