Dispositivo que “opera” doentes sem recurso a cirurgia teve mão portuguesa e vence prémio europeu
Dispositivo que “opera” doentes nos dias seguintes a ser implantado e foi desenvolvido por uma equipa envolvendo investigadores da Fundação Champalimaud. A fase de ensaios do MAGUS (MAgnétic Gastrointestinal Universal Septotome) deverá ficar concluída nos próximos dois meses.
Um dispositivo que “opera” doentes nos dias seguintes a ser implantado, desenvolvido por uma equipa envolvendo investigadores da Fundação Champalimaud, foi distinguido como o mais inovador pela Sociedade Europeia de Endoscopia Gastrointestinal (ESGE).
“É um prémio francamente importante que distinguiu o dispositivo que desenvolvemos na Fundação Champalimaud, em cooperação com a Universidade Livre de Bruxelas, e é um estímulo enorme para continuarmos, não já com o seu desenvolvimento, mas com as aplicações clínicas”, disse à agência Lusa o investigador Ricardo Rio-Tinto.
O prémio de inovação do ano será entregue este sábado numa cerimónia online promovida pela ESGE.
O médico que se tem dedicado à área da endoscopia terapêutica e que lidera a equipa da fundação portuguesa deste projecto adiantou que o MAGUS (MAgnétic Gastrointestinal Universal Septotome) já está aprovado na Bélgica, onde está a ser desenvolvido um ensaio clínico com doentes.
Segundo Ricardo Rio-Tinto, na área da gastroenterologia cada vez mais se está a evoluir da fase das endoscopias apenas para diagnóstico para a realização de “alguns procedimentos que se aproximam muito da cirurgia e que, em inúmeros casos, substituem mesmo os procedimentos cirúrgicos”.
Foi esta evolução, que evita eventuais complicações e internamentos e que causa menos dor ao doente, “que levou ao desenvolvimento deste dispositivo”, avançou o especialista, para quem “a inovação surge sempre da curiosidade e da necessidade”.
Com esta inovação, “passou a ser possível fazer uma endoscopia, colocar o dispositivo e, depois, é o dispositivo que vai fazer a cirurgia por nós”, explicou Ricardo Rio-Tinto, ao assegurar que através da sua utilização evitam-se cirurgias complexas em bloco operatório para situações específicas.
“O que antes era feito abrindo o abdómen, chegando à zona do intestino, seccionando esta zona e voltando a suturar o intestino e o abdómen, é feito com uma endoscopia com um dispositivo que nós colocamos dentro do tubo digestivo do doente e programado para fazer este procedimento”, exemplificou o médico.
Para já, o dispositivo está a ser utilizado numa “situação particular” como alternativa a uma “cirurgia que é muitíssimo agressiva” que tem a ver com os divertículos esofágicos, particularmente em pessoas mais idosas, que provocam dificuldade em deglutir os alimentos e regurgitação que pode levar à asfixia.
“Agora conseguimos resolver isso de outra forma: conseguimos implantar o dispositivo dentro do divertículo e é o dispositivo que vai seccionar o divertículo e fazer o que seria feito por cirurgia”, explicou o médico, adiantando que o procedimento é feito através de uma endoscopia com o doente sedado e, no momento em que é implantado, é removida uma peça que activa o dispositivo.
“Os doentes saem da endoscopia como se nada tivesse acontecido, exactamente como se fosse uma endoscopia de diagnóstico, e depois ao fim de alguns dias, quando o dispositivo já fez o seu trabalho, o doente telefona-nos e diz-nos que já está a conseguir engolir e já não tem regurgitação. Está o problema resolvido”, assegurou.
Como está no interior do tubo digestivo, o dispositivo, que tem cerca de 1,5 por 01 centímetros, é naturalmente expelido. Um mês depois do procedimento, é feita uma radiografia ao abdómen para garantir que foi expelido e, posteriormente, uma endoscopia para assegurar que o tratamento ficou concluído com sucesso.
Aprovação em 2022 é o objectivo
“Já tratamos cerca de 15 doentes e em todos eles o dispositivo foi expelido normalmente ao fim das duas primeiras semanas”, referiu o investigador, ao adiantar que os ensaios clínicos que estão a decorrer na Bélgica envolvem perto de 20 doentes, metade dos quais portugueses. “Os resultados que temos até agora, quer do ponto de vista da segurança, quer do ponto de vista da eficácia, e de melhoria clínica dos doentes, têm sido muito impressionantes”.
No futuro, a equipa liderada por Ricardo Rio-Tinto pretende aplicar este dispositivo, com as necessárias adaptações, no tratamento de doentes obesos, evitando também cirurgias nestas situações, tendo já realizado testes em animais.
Esta fase de ensaios deverá ficar concluída nos próximos dois meses, a que se segue a publicação dos resultados numa revista científica no segundo trimestre deste ano, com vista à aprovação em 2022 para poder ser utilizado em casos mais frequentes. “No futuro, poderá haver doentes para quem nós, da mesma maneira que hoje prescrevemos um medicamento, podemos prescrever um dispositivo que é colocado para fazer uma determinada cirurgia”, concluiu.