Ilustração
As câmaras analógicas “também têm sentimentos”
Ricoh, Hasselblad, Polaroid, Olympus, Korona, Zenit ou Pikachu Toy Cam fazem parte das 70 câmaras já desenhadas pelos designers gráficos de Barcelona David Ortiz e Núria Esteller i Fabra. Numa era predominantemente digital, onde as máquinas fotográficas analógicas são cada vez menos usadas, os ilustradores fazem questão de manter vivo o que já foi tendência e, para isso, criaram o projecto Camxatca — uma colecção de ilustrações de máquinas fotográficas analógicas porque, afinal, “elas também têm sentimentos”. “O que procuramos com a Camxatca é criar uma colecção de máquinas fotográficas, documentá-las, aprender sobre elas pelo caminho, conhecer o trabalho de outros fotógrafos e criar uma comunidade”, começa por explicar Núria ao P3.
O nome foi uma homenagem às primeiras câmaras dos ilustradores — a nipónica Olympus e a soviética Zenit — e à província de Kamchatka, ocupada pela Rússia e pelo Japão. A ideia nasceu em Março de 2020, durante o primeiro confinamento, quando o estúdio onde David trabalhava foi obrigado a fechar temporariamente. No início começou por desenhar objectos que encontrava no quarto, mas foi através da pequena colecção de analógicas que ocupavam a prateleira que tudo começou. “As câmaras acabaram por consumir mais tempo, ocupam mais horas do meu dia e são mais difíceis. A ilustração destes objectos cheios de peças, letras, formas e cores fez-me abstrair do caos exterior”, explica o designer gráfico.
Das câmaras pessoais passaram para as de amigos e assim por diante, até que, um ano depois, o que começou num quarto em Barcelona chegou até a fotógrafos dos “quatro cantos do mundo”. “Estamos muito entusiasmados por descobrir câmaras curiosas, falar com as pessoas que as utilizam e contar-nos a sua história.”
O conceito é simples, assim como o “traço arquitectónico” minimalista e propositadamente imperfeito que conferem a cada ilustração. Camxatca é um espaço de nostalgia, onde a técnica surge camuflada pelo verdadeiro propósito dos ilustradores: “o interesse na fotografia e na câmara como objecto de design”. A constante procura por novas câmaras e histórias, “a essência do projecto”, torna esta ideia muito mais do que um bonito feed de Instagram. Acompanhadas de cada ilustração surgem fotografias igualmente modestas e uma nova história que merece ser contada.
Para Núria, todas as câmaras são especiais, mas David tem duas que o marcaram, e não foi pelas horas de trabalho que exigiram. “A Korona View de Martí Andiñach, um fotógrafo de Barcelona especializado na técnica do colódio húmido do século XIX. Era muito especial, estava fora da norma, tal como a câmara do Pikachu, que me transportou para a minha infância.”
E quem pensa que escolher o próximo desenho é fácil que se desengane. Ilustram dez câmaras em simultâneo, mas, até chegar à parte de desenhar, que demora mais tempo quanto mais antiga for, é necessário passar por várias etapas. “Temos em conta o tipo de câmara, as cores, a composição na alimentação do perfil, se temos pronto o material e a informação da pessoa que participa em cada posto e se a pesquisa de cada câmara é feita por nós”, revela Núria.
Quer impliquem muitas horas de trabalho — como a detalhada Zeiss Icon Super Ikonta 531, uma relíquia dos tempos modernos, muito comum entre as décadas de 30 a 50 — ou poucas, a Camxatca está sempre pronta a desenhá-las e ideias não faltam. Para além de um site que funcionará como uma espécie de “biblioteca de câmaras analógicas”, a equipa está a pensar em estampar as ilustrações em têxteis ou produtos relacionados com o mundo analógico.
Texto editado por Ana Maria Henriques