Supremo Tribunal brasileiro oferece a Lula a cabeça de Moro

Uma maioria dos juízes do STF considerou que o ex-juiz foi parcial ao condenar Lula pelo caso do tríplex. Moro diz ter “absoluta tranquilidade”.

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Sergio Moro disse ter tranquilidade em relação às decisões que tomou enquanto juiz federal ADRIANO MACHADO / Reuters

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro de considerar parcial a conduta do ex-juiz federal Sergio Moro no julgamento do antigo Presidente Lula da Silva vem coroar a descredibilização em curso da Operação Lava-Jato. Se outrora teria tido todos os ingredientes de mais uma notícia bombástica na cena política brasileira, hoje é recebida com alguma naturalidade.

O recurso em causa tinha sido apresentado pela defesa de Lula a 5 de Novembro de 2018 e, desde então, tudo parece ter mudado. Nesse período, Moro entrou e saiu do Governo de Jair Bolsonaro; o site Intercept Brasil publicou conversas entre o juiz e procuradores da Lava-Jato que mostraram um certo nível de conluio entre as duas partes do processo; Lula foi libertado; Bolsonaro aliou-se às bancadas do “centrão” no Congresso, e, mais recentemente, Lula viu os seus direitos políticos serem repostos.

Esta sucessão vertiginosa dos acontecimentos parece ter confluído no desfecho do julgamento pela Segunda Turma do STF – a sua própria composição influenciada pelos desenvolvimentos, com a nomeação de Kassio Nunes por Bolsonaro – conhecido na terça-feira à noite. O espírito de mudança dos tempos foi melhor captado pela juíza Cármen Lúcia, que numa sessão anterior se havia posicionado contra a declaração de parcialidade de Moro e pediu para rever o seu voto.

Ao fazê-lo, a juíza do STF reconheceu a existência de um novo enquadramento para os factos que a levaram à primeira decisão. “A matéria estava posta, mas não com os contornos que tem neste momento”, afirmou Lúcia. Não o disse, mas os contornos incluem as revelações do Intercept que mostraram uma clara intenção de Moro condenar Lula e conduzir todo o processo sob essa ideia prévia.

“O que fica muito claro é que o Supremo é muito sensível à política, talvez até um pouco de mais”, observa a politóloga Maria Hermínia Tavares, entrevistada pelo PÚBLICO.

Vitória e derrotas

Para Lula, que no início do mês já tinha visto as acusações contra si anuladas noutra decisão, a sentença do STF é uma vitória acima de tudo pessoal sobre Moro, embora com alguns efeitos práticos. Ao anular todas as provas usadas para a condenação do ex-Presidente no caso do triplex de Guarujá – o único julgado por Moro – qualquer tentativa de reabrir o processo por parte do Ministério Público do Distrito Federal terá de partir do zero. Se havia algum receio de que Lula pudesse voltar a ser condenado em duas instâncias até às eleições de 2022, tornando-o novamente inelegível, essa possibilidade é agora praticamente impossível.

Os advogados de defesa de Lula saudaram a decisão do STF que há muito aguardavam. “Provámos que Moro jamais actuou como juiz, mas sim como um adversário pessoal e político do ex-Presidente Lula”, escreveu a equipa, num comunicado.

O triunfo obtido sobre Moro também deixa o virtual candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) numa posição política mais confortável num potencial confronto com Bolsonaro. O sentido de voto do juiz Kassio Nunes foi interpretado como o cumprimento de instruções de Bolsonaro, que apesar de estar longe de Moro, não queria dar uma vitória a Lula. “Ao elencar argumentos técnicos para não endossar a tese da parcialidade de Moro, Nunes Marques estava agindo não em benefício do ex-juiz, mas contra Lula – e a favor de Bolsonaro”, escreve a jornalista Thaís Oyama no UOL.

Sergio Moro demorou quase 24 horas a reagir à decisão do STF, que não deverá acarretar qualquer consequência punitiva para si. Num comunicado, o ex-juiz manifestou “absoluta tranquilidade” em relação às suas decisões que diz terem sido todas “fundamentadas”. “Todos os acusados foram tratados nos processos e julgamentos com o devido respeito, com imparcialidade e sem qualquer animosidade da minha parte, como juiz do caso”, afirmou.

O futuro político do ex-ministro da Justiça é uma incógnita. Moro chega ao período eleitoral do próximo ano como uma espécie de OVNI da política brasileira – mantém-se como uma das figuras mais reconhecidas e ainda admiradas por um considerável sector da população, mas tem um respaldo político quase nulo. “O sistema político está muito fechado para ele”, diz Maria Hermínia Tavares.

Não há muitos partidos disponíveis para darem destaque ao homem responsável pela operação anticorrupção que quase dizimou a classe política brasileira. Se à esquerda, é persona non grata, a direita “bolsonarista” também já o rejeitou. Tavares acredita que Moro, se quiser, “consegue eleger-se facilmente como deputado ou senador”, mas não está convencida que possa integrar uma candidatura presidencial.

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