Assombrações, encarnações
Espectros do Cinema: Manoel de Oliveira e João Pedro Rodrigues é um generoso, atento livro que propõe lermos dois cineastas à luz da fantasmagoria que o cinema já de si é.
Publicado mesmo no finzinho de 2020, Espectros do Cinema: Manoel de Oliveira e João Pedro Rodrigues é muito mais do que o que, numa simples descrição, parece ser. Embora surja a partir da tese de doutoramento em Estudos Comparatistas do investigador da Universidade de Lisboa José Bértolo, defendida em 2019 com o título Galeria de Retratos, o livro assume-se desde o início como uma obra de crítica de cinema, que não se esgota no seu contexto académico e cumpre o “caderno de encargos” da melhor crítica tal como o “inventor” da sua forma moderna, André Bazin, o cristalizou. Trata-se de olhar para os filmes e explorar novas pistas de leitura sugeridas por uma observação atenta, pessoal, e, por vezes, lateral do que está no ecrã, chamar a atenção para ligações e sinapses que não seriam evidentes ao cinéfilo mais leigo. Significativo disso é o trabalho que Bértolo faz sobre Manoel de Oliveira, concentrando-se em obras que antecedem o seu reconhecimento global: O Passado e o Presente (1971), Benilde ou a Virgem Mãe (1975), o “filme póstumo” Visita ou Memórias e Confissões (1981) e O Estranho Caso de Angélica, que, embora apenas tenha realizado em 2010, era um projecto almejado havia meio século. Trata-se de reconhecer uma dimensão espectral onde o cinema seria “assombração”, com tudo o que de lúdico mas também de sério o termo inclui; Bértolo não exclui a possibilidade de atribuir esta dimensão a outros filmes de Oliveira, mas concentra-se em obras onde considera que ela está mais visível.
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