Portaria n.º 67/2021 de 17 de Março: a grande machadada na conservação do património natural
Esta portaria faz tábua rasa de décadas de defesa da natureza, de investigação científica e do contributo das áreas protegidas para o desenvolvimento económico local; não é por acaso que os territórios do interior que tiveram maior desenvolvimento foram os das áreas protegidas.
Durante décadas, antes do 25 de Abril de 1974, alguns visionários batalharam em Portugal pela preservação de áreas naturais de particular valor: Sebastião da Gama, o poeta da Serra da Arrábida, Lagrifa Mendes, pela Peneda-Gerês, Santos Júnior, pelo Mindelo e por outros espaços naturais, Malato-Beliz por um conjunto de áreas de interesse botânico, Ilídio Alves de Araújo pelo que hoje chamamos Serras do Porto e o próprio autor desta nota, pelas Dunas de S. Jacinto.
Mas só em Junho de 1970 seria publicada a Lei n.º 9/70 que determinou a obrigação do Estado proteger a Natureza e criar parques nacionais e outros tipos de reservas. E só foi publicada porque 1970 foi designado pelo Conselho da Europa como “Ano Europeu da Conservação da Natureza” e parecia mal Portugal nada fazer: por isso, além da lei, a 11 de Outubro de 1970 foi inaugurado com pompa e circunstância o Parque Nacional da Peneda-Gerês e criadas mais sete reservas naturais até ao 25 de Abril de 1974.
Mudado o regime em 25 de Abril, institucionalizou-se a política nacional de ambiente e criaram-se muitas outras áreas protegidas, cerca de 40 até hoje; quando se pensava que, com alguns percalços e problemas, a conservação da natureza estava no bom caminho, eis que começa a claudicar a partir dos inícios deste século, devido ao desinteresse crescente de sucessivos governos, fruto da ignorância e da ganância.
E em 2019 viria a primeira grande machadada na conservação dos parques e reservas naturais: a publicação do Decreto-Lei n.º 116/2019, de 21 de agosto, que criou o modelo de cogestão das áreas protegidas, pretendendo inventar a gestão participada pelas autarquias e pela comunidade, que sempre teve existência legal e só não fez caminho por desinteresse das partes convocadas a participarem, ou por algumas defenderem projetos e visões contrárias aos objetivos de conservação que, agora, com a lei da cogestão, já começam a levar a cabo.
Mas, a machada mais dolorosa (não foi com machado, esta foi com motosserra) foi a recente Portaria n.º 67/2021, de 17 de março, que aprovou o “conjunto mínimo obrigatório de indicadores de realização a integrar nos planos de cogestão das áreas protegidas”.
Assim, ficamos a saber que a conservação dos habitats e espécies não é um indicador “mínimo” a considerar na gestão das áreas protegidas; não interessa quantos hectares de habitats são restaurados ou como evoluem as populações das espécies de fauna e flora que importa (até por diretivas comunitárias e interesse económico) proteger.
Fundamental, por ordem de prioridades da citada portaria, é criar portas de entrada, infraestruturas de lazer e visitação, materiais de divulgação, rotas e percursos interpretativos, sinalização, promover a visitação, promover novas atividades e produtos, inovar (seja lá o que isso for), promover (naturalmente) a educação e sensibilização ambiental, a participação pública no processo de cogestão e a avaliação do dito processo.
Esta portaria faz tábua rasa de décadas de defesa da natureza, de investigação científica e do contributo das áreas protegidas para o desenvolvimento económico local; não é por acaso que os territórios do interior que tiveram maior desenvolvimento foram os das áreas protegidas: “Entre 2013 e 2016, a taxa de crescimento da capacidade dos alojamentos turísticos nas áreas protegidas do país foi de 23,4%, enquanto o ritmo de crescimento verificado em freguesias não abrangidas por esta rede nacional foi de 16,3%. “ (INE, Retrato Territorial de Portugal, pág. 38, 2017).
Os turistas e os visitantes procuram paisagens, tradições, faunas e floras diferentes; é claro que tem de haver infraestruturas de acolhimento e visitação, mas que de nada servem se nada houver para ver.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico