Parecer conclui que proposta do Chega para retirar nacionalidade a condenados é inconstitucional

Texto da deputada Constança Urbano de Sousa indica que regras que André Ventura propõe vão contra princípios da Constituição, como a igualdade de tratamento, liberdade de expressão, e não suspensão nem perda de direitos civis ou políticos.

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André Ventura, líder do Chega Nuno Ferreira Santos

Os deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias adiaram a discussão e votação, nesta quarta-feira, a pedido do PSD, de um parecer que considera inconstitucional a proposta do Chega para se retirar a nacionalidade portuguesa a cidadãos que a tenham obtido por naturalização e, entretanto, sejam condenados a pena efectiva superior a cinco anos de prisão ou ofendam de forma “ostensiva e notória” e “reiterada” a história nacional e os seus símbolos. E uma prática reiterada dessa atitude ofensiva é também critério para a recusa de concessão da nacionalidade portuguesa a quem peça a naturalização.

O longo parecer foi elaborado pela deputada socialista e antiga ministra da Administração Interna Constança Urbano de Sousa (embora na reunião da comissão de há duas semana tenha ficado designado o deputado bloquista José Manuel Pureza), na sequência do pedido do presidente da Assembleia da República para este saber se admite ou não a entrada do projecto de lei assinado por André Ventura. Se o parecer for aprovado, como se prevê (a nota técnica elaborada pelos serviços parlamentares já apontava problemas constitucionais), Ferro Rodrigues irá “chumbar” a admissão do diploma. Mas a discussão e votação foi adiada para a próxima semana por pedido potestativo (obrigatório) do PSD.

Ao PÚBLICO, o deputado e presidente do Chega diz que, se se confirmar a decisão da inconstitucionalidade, esta é “mais uma decisão incompreensível da primeira comissão, que está arvorada em antecâmara do Tribunal Constitucional. O objectivo do Chega é defender a nacionalidade portuguesa e os pressupostos da sua atribuição”. E ironiza: “Mas, pelos vistos, até isso é contra a Constituição na nova República socialista de Portugal.”

No texto, a deputada socialista identifica diversas violações de direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição, assim como do princípio da igualdade. Assim, este princípio da igualdade é violado quando se destina apenas a quem tenha adquirido a nacionalidade sem que se justifique essa discriminação (que é também recusada pela Constituição), alega a deputada. 

No projecto de lei que entregou há duas semanas, André Ventura propõe a perda da nacionalidade para os cidadãos que se naturalizaram portugueses mantendo outra nacionalidade que tenham sido definitivamente condenados a penas efectivas superiores a cinco anos ou condenados por crime de ligações com o estrangeiro, ultraje de símbolos nacionais e regionais, coacção contra órgãos constitucionais ou perturbação do funcionamento de órgão constitucional.

Segundo o parecer, esta proposta do deputado do Chega é inconstitucional porque viola a regra da Constituição que estipula que “a privação da cidadania e as restrições à capacidade civil (...) não podem ter como fundamento motivos políticos”, para além de que a lei fundamental determina ainda que “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”.

O deputado também pretende que percam a nacionalidade portuguesa os naturalizados que “ofendam de forma ostensiva e notória, com objectivo de incentivar ao ódio ou humilhação da nação, a história nacional e os seus símbolos”. E propõe que se acrescente aos fundamentos para a recusa de concessão da nacionalidade portuguesa por pedido de naturalização o facto de a pessoa ter uma “prática reiterada de comportamentos, condutas ou declarações ofensivas da dignidade da nação e dos seus símbolos políticos, históricos”.

Esta proposta irá contra o direito fundamental à liberdade de expressão consagrado na Constituição, aponta a deputada socialista, que acrescenta que as restrições impostas por André Ventura também vão contra a regra constitucional de que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição” – e as propostas do Chega extravasam essas previsões.

Neste ano e meio, diversas propostas de André Ventura foram ficando pelo caminho depois do crivo de Ferro Rodrigues e da Comissão de Assuntos Constitucionais – embora haja deputados e alguns partidos que defendem que não deve ser a comissão a avaliar a constitucionalidade dos projectos de lei ou de resolução que entram no Parlamento e que a decisão sobre a sua admissão cabe a Ferro Rodrigues.

São os casos, por exemplo, da castração química de pedófilos — que esteve agendada para plenário mas o presidente recusou a discussão e à qual Ventura já voltou novamente há poucas semanas —, da limitação do cargo de primeiro-ministro a pessoas com nacionalidade portuguesa de origem, o referendo sobre a redução do número de deputados, ou o tecto máximo de 12 ministérios no Governo. A que se somam as dúvidas suscitadas sobre a proposta de revisão constitucional do Chega e sobre a proibição vitalícia de os políticos e altos cargos públicos exercerem cargos ou funções com as quais tenham negociado.

Texto actualizado com a indicação do adiamento da discussão e votação a pedido do PSD.

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