Carolina foi mostrar à ONU que os negócios sociais “não podem ser um privilégio”

A activista e empreendedora social portuguesa foi uma das oradoras convidadas para a reunião periódica da equipa presidida por António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas. Como é que uma empreendedora social pode chamar a atenção? Carolina Pereira deixa algumas dicas.

Foto
Carolina Pereira, activista e empreendedora social DR

Carolina Pereira entrou no encontro da equipa de António Guterres decidida a mostrar à Organização das Nações Unidas (ONU) como apoiar negócios sociais. “São pessoas que estão em lugares de liderança e de topo e lidam com estes problemas diariamente, mas ainda existe um grande afastamento da realidade no terreno”, considera a empreendedora e activista, convidada para ser uma das oradoras na reunião periódica do Grupo de Gestão Sénior (Senior Management Group, em inglês), a 3 de Março.

“Expliquei que o empreendedorismo social é muito importante porque resolve problemas que estão no terreno e consegue dar uma assistência mais directa a coisas urgentes. Mas que é um privilégio”, conta, dias depois, ao P3. “Na minha visão, não pode ser exclusivo a algumas pessoas, que têm os contactos, acesso à formação, disponibilidade de tempo e dinheiro para poder montar uma coisa destas. Tem de ser acessível a todos e a todas que sofrem o problema.”

Na reunião do fórum que junta líderes de departamentos, fundos e programas das Nações Unidas, a jovem portuguesa e os outros três oradores convidados — Don Gips (CEO da Fundação Skoll), Ting Shih (Fundadora e CEO da ClickMedix) e Shudhan Kohli (Director e Gestor da Zephyr Acorn)  quiseram deixar como “principal mensagem” a necessidade de a organização mundial “continuar a fazer um esforço por estar perto dos empreendedores sociais”. “E que podem fazer isso convidando pessoas no terreno para falarem, como fizeram agora, mas que têm de melhorar no passo a seguir à identificação do problema — dizem que vão propor coisas e trabalhar em conjunto, mas, muitas vezes, isso perde-se”, alertou.

A embaixadora do movimento de jovens pela igualdade de género #HeForShe, em Portugal, e co-fundadora da associação Sathyam, na Índia, esteve dois anos na equipa de comunicação da SDG Action Campaign, um departamento inserido no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Criava campanhas sobre a igualdade de género, o quinto dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, remotamente, a partir de Portugal, em ligação com os escritórios da ONU em Bona, na Alemanha, até deixar o cargo em Março de 2020, no início da pandemia em Portugal.

“As redes sociais e os media digitais podem tornar-se muito mais do que vídeos virais, clickbait e indignações fugazes. Podem, de facto, ser a nossa janela para histórias globais, para dar voz a mais diversidade de pontos de vista, para gerar mudança”, escreveu, no P3, em Outubro de 2020.

Alargar a bolha

Numa “fase de transição” desde que deixou a iniciativa que procura fomentar o movimento global de acção para atingir as 17 metas definidas pela Assembleia Geral das Nações Unidas, e num ano de protestos virtuais, a activista na área dos media e direitos humanos tem-se também concentrado em tentar responder a uma pergunta antiga: “Como é que nós activistas podemos chegar a determinadas pessoas e sair das nossas bolhas?”.

“Temos de aprender a amplificar melhor a nossa voz e a usar melhor o digital a nosso favor”, acredita, dando como exemplo recente o quadrado preto viral, partilhado “com boas intenções, mas que acabou a tapar as hashtags que serviam como fonte de informação para saber o que se estava a passar nas manifestações Black Lives Matter, em todo o mundo. “Sem querer, acabaram por silenciar o que queriam dar voz. Quando nós devemos procurar no online o mesmo que acontece nas ruas: irmos ter com os opressores, com quem não concorda connosco ou com quem está em sítios de poder.”

Estava em Chennai, no sul da Índia, quando teve de regressar, apressadamente, para uma Mafra a fechar-se num primeiro confinamento. Um ano depois, continua a gerir a partir de casa os projectos e parcerias da associação iniciada por Saskia Rysenbry, designer social e voluntária há dez anos na comunidade que a Sathyam começou a servir, oficialmente, em 2018. Ela também já tinha contactado com mulheres vítimas de ataques de ácido, em Puri, no leste do país. “Só dessa forma é que tivemos a confiança para tentarmos fazer alguma coisa”, comenta. “Sou uma forte embaixadora de que é preciso conhecer muito bem a realidade local se queremos gerar alguma mudança significativa.”

Tem “bem claro” o papel que podem ter junto das 45 jovens e mulheres a quem facilitam abrigo e alimentação, numa média anual, em conjunto com a associação local KKSS. “Ouvir e depois facilitar o que querem fazer”, resume. “A Sathyam trabalha com raparigas e mulheres através da educação para quebrar ciclos de pobreza nas famílias delas, que foram identificadas pela polícia e já pediram ajuda por serem vítimas de violência, ou foram expulsas da família por quererem divorciar-se, por exemplo.” O próximo passo é erguer o Sathyam Empower Center, um novo centro de formação, depois de uma campanha de recolha de fundos bem-sucedida. 

Foto
Algumas das crianças apoiadas pelo Santhyam, com Saskia Rysenbry, co-fundadora do projecto. Melissa Friday

Trabalhar em organizações

De volta à partilha de conteúdos online no Instagram, depois de um tempo mais afastada do perfil pessoal, Carolina fala agora sobre procurar “a nova casa grande”. “Gosto sempre de estar num organização onde estou a aprender e a desafiar-me”, explica. Conselhos para quem procura o mesmo?

“Eu sei que é difícil entrar [nestas organizações] enviando um currículo. A maior parte são profissionais seniores escolhidos e os jovens não têm quase hipótese”, alerta. Mas há um outro caminho: “demonstração de trabalho”. “As pessoas jovens que estavam comigo na SDG Action Campaign são pessoas que tinham montado as suas organizações. Só depois é que as Nações Unidas dizem que têm propostas e começam, primeiro, por colaborar”, diz. “É tentar estar o mais próximo possível, apesar de compreender que não é possível para toda a gente. Eu servi às mesas e era instrutora de surf. Fiz isso ao mesmo tempo que estava a fazer activismo.”

No seu caso, foi a formação não tradicional que fez toda “a diferença”. Com uma licenciatura em Educação Física e Desporto deixada a meio, e com o secundário na área da Economia, Carolina, de 26 anos, só sabia “que não sabia o que queria fazer”. Até começar a aperceber-se que gostava mesmo era de um projecto que começou a fazer crescer, o My Destiny, que misturava surf, uma paixão antiga, com a capacitação de jovens, um objectivo de todos os dias.

Foto
DR

A partir daí, inscreveu-se numa formação em negócios sociais na Social Business School e ganhou uma bolsa para um programa na Social Impact House, em Vermont, nos Estados Unidos da América. As formações da ONU Mulheres, muitas delas agora disponíveis online no UN Women Training Center, e o trabalho com jovens mulheres na Índia ajudam-na a comunicar uma luta feminista mais interseccional. “Dá-me uma visão mais abrangente de como os sistemas funcionam. Ter estes diferentes contactos ajuda a entender o problema de diferentes perspectivas e depois traz novas propostas e visões de coisas que estão a ser feitas noutro sítio e podem resultar em Portugal”, diz. “Os dois anos dentro da ONU foram uma escola e depois foi aprender no terreno e formações. A melhor dica é sempre proporem-se a fazer.”

Sugerir correcção
Ler 2 comentários