A maior viagem do mundo é aquela que ainda não fiz
Ao fim de um ano a dar voltas a Portugal como quem dá voltas ao mundo, faz-me falta o mundo. Fazem-me falta as viagens que já fiz e ainda mais as que ainda não fiz. É também por isso que hoje, um ano depois de uma pandemia nos ter trocado as voltas, inauguramos aqui esta Memória de Viajante. Vamos voltar a lugares onde fomos felizes.
São mais de 13 mil caracteres em pausa há mais de um ano. A última alteração ao documento Word foi feita a 14 de Fevereiro de 2020, já se falava de covid-19 mas o fim da nossa vida tal como a conhecêramos, e o colapso do turismo, ainda eram uma miragem. Escrito para ser publicado em Abril do ano passado, esse texto já tinha título e tudo: “Expo 2020: Faltam seis meses para começar ‘o maior espectáculo do mundo’ no Dubai”.
“O maior espectáculo do mundo” não aconteceu, a Expo que era para ser de 2020 está marcada para 2021 (1 de Outubro a 31 de Março de 2022, nunca fiando...) e o texto, esse, ficou em pausa até agora, com os seus 13.317 caracteres.
A última grande viagem que fiz foi ao Dubai, em Outubro de 2019, a convite da Emirates, que estreara meses antes um voo directo do Porto e quis levar um grupo pequeno de jornalistas a conhecer o gigantesco estaleiro onde estava a ser erguida a Expo 2020. Estive quase para não ir, tenho que admitir que o Dubai não era o destino pelo qual mais ambicionava, mas em boa hora fui. De então para cá, não voltei a entrar num avião – e tenho pensado tanto em aviões nos últimos meses. Logo eu que tenho medo deles, que não prego olho a bordo, dure a viagem três ou 13 horas, que ao fim de pouco tempo no ar já não sei como passar o tempo, tenha 500 filmes para ver ou três livros para ler.
A viagem ao Dubai foi um desfilar de superlativos. E começou logo a bordo, na classe executiva da Emirates, com champagne francês, comida requintada e saborosa, nem parecia de avião, amenities Bvlgari, e uma cadeira-cama muito confortável – mas nem assim preguei olho, o problema é mesmo meu. Em terra, concluí que o Dubai é o Dubai é o Dubai: é tudo grande e em grande.
É lá que mora o mais alto edifício do mundo – Burj Khalifa, 828 metros a rasgar um céu hiperpovoado de outras torres, de luzes, de gruas que hão-de construir novas torres que se encherão de mais luzes; a maior moldura do mundo – Dubai Frame, 150 metros de altura e 93 de comprimento que enquadram a cidade e a dividem em duas partes, passado e futuro; o que se intitula como o hotel mais luxuoso do mundo – Burj Al Arab, uma espécie de cartão-de-visita da cidade e do emirado, que se auto-atribuiu sete estrelas; o que é muitas vezes apontado como o maior centro comercial do mundo, embora não o seja – Dubai Mall, 1200 lojas, 14.000 lugares de estacionamento, um aquário com três pisos, uma pista de gelo. Pense numa coisa, qualquer coisa, e interrogue-se sobre onde estará a maior que existe no planeta. Se não está no Dubai, de certeza que já está nos planos do Dubai.
Não posso dizer que esta tenha sido a viagem da minha vida mas, na verdade, até posso dizer que esta foi a viagem da minha vida. Agora que estou privada de ir para onde quero, de estar com quem quero, concluo que, afinal, qualquer uma pode ser a viagem da nossa vida. Ainda esta tarde o meu vizinho do lado me fez este desabafo: “Tenho tantas saudades de ir dar um passeio.” Ele disse mesmo assim, passeio, e o que é uma viagem senão um passeio?
Eu também tenho saudades de ir dar um passeio. No ano passado, não me posso queixar, até tive umas belíssimas férias em Olhão – e o facto de as viagens ao estrangeiro estarem mais limitadas fez com que, finalmente, tivesse conhecido as ilhas da ria Formosa, que andava a adiar há anos. Mas também tenho saudades de ir dar um passeio maior, tenho saudades de Itália, um dos meus países preferidos. Na semana passada, ao assistir a um programa de televisão dedicado aos sítios classificados como Património Mundial da UNESCO, tive vontade de chorar ao ver Veneza e Matera.
Ao fim de um ano a fazer a Fugas a partir de casa, ao fim de um ano a dar voltas a Portugal como quem dá voltas ao mundo, faz-me falta o mundo. Fazem-me falta as viagens que já fiz e ainda mais as que ainda não fiz. É também por isso que hoje, um ano depois de uma pandemia nos ter trocado as voltas, inauguramos aqui na Fugas esta Memória de Viajante. Vamos voltar a lugares onde fomos felizes – e eu fui feliz no Dubai, essa é que é essa, em 2019 éramos felizes por tudo e por nada e não sabíamos. Depois de mim, outros virão a esta Memória de Viajante. Recordarão encontros imediatos em San Jose de Chiquitos, na selva boliviana, ou contarão como ir a uma praia escondida no Alentejo pode ser, afinal, a maior viagem do mundo.