O homem que salva os gatos esquecidos na zona nuclear de Fukushima

Sozinho, cuida de mais de 40 gatos e outros animais selvagens. É a missão de Sakae Kato numa zona deserta que o Governo japonês adoptou como símbolo do renascimento nacional, no meio dos preparativos para os Jogos Olímpicos de Tóquio.

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Há uma década, Sakae Kato ficou para trás para salvar os gatos abandonados pelos vizinhos que fugiam das nuvens de radiação da central nuclear de Fukushima. Ele recusa-se ir embora.

“Quero ter a certeza que estou aqui para cuidar do último deles”, diz, a partir da sua casa, na zona contaminada, em quarentena. “Depois disso quero morrer, quer seja um dia ou uma hora mais tarde.”

Uma vista aérea mostra a casa de Sakae Kato perto de um campo que está a ser descontaminado REUTERS/Kim Kyung-Hoon
Sakae Kato passa por trabalhadores que verificam os níveis de radiação numa estrada perto da sua casa, enquanto passeia Pochi, o cão que resgatou há quatro anos REUTERS/Kim Kyung-Hoon
Sakae Kato passa por sacos de lixo que contêm solo contaminado devido às precipitações radioactivas da central nuclear de Fukushima REUTERS/Kim Kyung-Hoon
Sakae Kato prepara a comida para os gatos selvagens, num celeiro abandonado REUTERS/Kim Kyung-Hoon
Um quarto na casa de Sakae Kato cheio de mantimentos para gatos e cães REUTERS/Kim Kyung-Hoon
Sakae Kato limpa gaiolas para gatos na sua casa REUTERS/Kim Kyung-Hoon
Os javalis selvagens que Sakae alimenta, em frente à sua casa REUTERS/Kim Kyung-Hoon
A casa de Sakae Kato, na zona restrita REUTERS/Kim Kyung-Hoon
Sakae a preparar-se para alimentar javalis selvagens REUTERS/Kim Kyung-Hoon
Sakae Kato segura uma lanterna com a boca enquanto sobe uma escada até ao segundo andar de uma casa abandonada, que converteu num abrigo para gatos REUTERS/Kim Kyung-Hoon
Sakae Kato brinca com um gato resgatado, em sua casa, numa zona restrita em Namie, Fukushima REUTERS/Kim Kyung-Hoon
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Uma vista aérea mostra a casa de Sakae Kato perto de um campo que está a ser descontaminado REUTERS/Kim Kyung-Hoon

Até agora, enterrou 23 gatos no seu jardim, com as campas mais recentes a serem destruídas por javalis que vagueiam pela área despovoada. Cuida de 41 animais, na sua casa e noutro edifício vazio.

Kato deixa comida para os gatos selvagens num armazém que mantém quente com um forno de parafina. Também resgatou um cão, Pochi. Sem água corrente, Sakae tem de encher garrafas numa nascente e conduzir até às casas de banho públicas mais próximas.

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Sakae Kato passeia Pochi, o cão que resgatou há quatro anos. REUTERS/Kim Kyung-Hoon

Aos 57 anos, dono de uma pequena empresa de construção na sua vida anterior, diz que a decisão de ficar quando 160 mil outras pessoas saíram da área deveu-se, em parte, ao choque de encontrar animais mortos nas casas abandonadas que ajudou a demolir. Os gatos também lhe deram uma razão para ficar nos terrenos que são propriedade da sua família há três gerações. “Não quero sair, gosto de viver nestas montanhas”, diz, de pé, em frente à casa que pode visitar, mas onde, tecnicamente, não pode pernoitar.

A estrutura de madeira de dois andares está em mau estado. Podres, as tábuas do chão cedem. A casa está repleta de buracos onde caíram pedaços de parede e telhas que mantinham a chuva do lado de fora, após um poderoso tremor de terra em Fevereiro no mês passado despertar memórias assustadoras do terramoto de 11 de Março de 2011, que levou a um tsunami e a um desastre nuclear. “Deve aguentar-se mais dois ou três anos. As paredes já começam a inclinar-se”, disse Kato. A descontaminação nos campos perto da sua casa indica que outros residentes poderão em breve ser autorizados a regressar. 

Kato estima gastar quase seis mil euros por mês nos animais, guardando uma parte para comprar a comida para cães que dá aos javalis que se juntam perto da sua casa ao pôr do Sol. Os agricultores consideram-nos pragas e também os culpam por destruírem casas desertas.

A 25 de Fevereiro, Kato foi detido por alegadamente libertar javalis apanhados em armadilhas montadas pelo Governo do Japão, em Novembro. À data da publicação deste artigo, Kato ainda está detido para interrogatório.

Yumiko Konishi, uma veterinária de Tóquio que ajuda Kato, disse que voluntários locais estavam a cuidar dos gatos na propriedade nos arredores de Fukushima. Pelo menos um morreu desde que foi detido.

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A incerteza de voltar

Cerca de 30 quilómetros a sudeste, ainda na zona restrita, Hisae Unuma está também a examinar o estado da sua casa, que resistiu ao terramoto há uma década, mas que está prestes a ruir, após anos a ser fustigada pelo vento, chuva e neve. “Estou surpreendida por ainda estar de pé”, comenta a agricultora de 67 anos, uma semana depois do abalo que afectou a casa de Kato. “Dali conseguia ver o meu gado no campo”, diz, a apontar para a vista da sala de estar, agora bloqueada por um emaranhado de bambu. 

Unuma fugiu quando o sistema de arrefecimento da central nuclear de Tóquio Electric Power Co., a 2,5 quilómetros de distância, falhou e os reactores começaram a derreter. O Governo, que adoptou Fukushima como símbolo do renascimento nacional no meio dos preparativos para os Jogos Olímpicos de Tóquio, está a encorajar os residentes a regressar às terras descontaminadas.

No entanto, a desconfiança sobre a central nuclear, a falta de empregos e as fracas infra-estruturas estão a manter muitos afastados. Unuma, agora uma horticultora na província de Saitama, perto de Tóquio, onde o marido morreu há três anos, não regressará “mesmo que o Governo raspe o solo radioactivo dos campos”.

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Os níveis de radiação à volta da sua casa são cerca de 20 vezes o nível de base em Tóquio, de acordo com a medição feita pela Reuters. Apenas a remoção dos centros radioactivos de Fukushima fará Hisae Unuma sentir-se segura, uma missão que levará décadas a concluir. “Não importa a ameaça de terramotos, os reactores podem explodir se alguém deixar cair uma ferramenta no sítio errado”, justifica.

Antes de iniciar a viagem de quatro horas de regresso à sua nova casa, Unuma visita o Rancho da Esperança, a fazenda de gado de Masami Yoshizawa que desafiou uma ordem para abater o gado em protesto contra o Governo e a Energia Eléctrica de Tóquio.

Hisae Unuma trabalha na quinta onde se instalou após deixar a sua casa em Fukushima, a 2,5 km da central nuclear REUTERS/KIM KYUNG-HOON
Um dosímetro de radiação, trazido por um jornalista da Reuters REUTERS/KIM KYUNG-HOON
Uma árvore de bambu cresce dentro da casa em colapso de Hisae Unuma REUTERS/KIM KYUNG-HOON
Hisae Unuma veste um fato protector enquanto se dirige para o cemitério REUTERS/KIM KYUNG-HOON
Hisae Unuma veste um fato protector enquanto reza, no cemitério REUTERS/KIM KYUNG-HOON
Hisae Unuma usa um fato protector enquanto passa por um incinerador utilizado para queimar os resíduos recolhidos na limpeza da Fukushima REUTERS/KIM KYUNG-HOON
Hisae Unuma espreita para a casa onde vivia REUTERS/KIM KYUNG-HOON
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Hisae Unuma trabalha na quinta onde se instalou após deixar a sua casa em Fukushima, a 2,5 km da central nuclear REUTERS/KIM KYUNG-HOON

Entre os 233 bois ainda está o último sobrevivente da manada de 50 animais que Unuma costumava cuidar, e um dos seus últimos contactos vivos com a vida que tinha antes do desastre. O animal ignora-a quando tenta atraí-lo, por isso Yoshizawa dá-lhe uma mão cheia de couve para tentar seduzi-lo.

“O problema do gado é que eles realmente só pensam na comida”, atira Yoshizawa.