Arquitectura

O misterioso interior kitsch dos hotéis da Coreia do Norte

Hotels of Pyongyang descreve o bizarro e o kitsch do interior dos hotéis da capital norte-coreana. “Entrar na Coreia do Norte é como atravessar um portal para outro planeta”, descreve James Scullin, guia turístico e co-autor do fotolivro. “Desde a minha primeira visita que fiquei apaixonado pela aura alienígena dos seus hotéis.”

Sosan Hotel - Sala de Karaoke ©Nicole Reed
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Sosan Hotel - Sala de Karaoke ©Nicole Reed

Durante décadas, a Coreia do Norte foi um dos países mais reservados do mundo. O seu isolamento do exterior, promovido pelo regime comunista hoje liderado por Kim Jong-un, transformou-a numa espécie de “fruto proibido” para os amantes das viagens. “A Coreia do Norte é o único país do mundo que tem, realmente, um aspecto diferente de todos os outros”, explica o guia turístico James Scullin ao P3, em videoconferência a partir de Melbourne. “Faz com que, para um ocidental, a própria China pareça aborrecida”, brinca. O australiano conhece bem ambos os países; afinal, ele trabalhava para a única empresa que fazia tours na Coreia do Norte, a partir de Pequim. Pisou, por isso, solo norte-coreano oito vezes em apenas dois anos, em 2012 e 2013. “Entrar na Coreia do Norte é como atravessar um portal para outro planeta”, descreve Scullin. “E desde a minha primeira visita que fiquei apaixonado pela aura alienígena dos seus hotéis.”

Esse primeiro impacto viria a determinar que, anos mais tarde, em 2020, viesse a publicar, em conjunto com a fotógrafa Nicole Reed, o fotolivro Hotels of Pyongyang, que reúne imagens dos bizarros hotéis da capital norte-coreana. “Congelada no tempo, a arquitectura de Pyongyang é tipicamente soviética e brutalista com interiores modernistas”, pode ler-se no site do projecto. Um verdadeiro “eye-candy” para James e Nicole, que, em 2019, com a colaboração da Juche Travel Services e da Korean International Travel Company, visitaram os 11 hotéis da cidade onde é permitida a estadia a estrangeiros.

“Restaurantes rotativos muito kitsch e estranhos, alcatifa no chão e nas paredes, cortinados com elaborados padrões de animais, iluminação por debaixo das mesas, salas de karaoke com quatro tipos diferentes de azulejo”, enumera Scullin, revivendo as visitas. “Uma atenção fora do comum para o detalhe, um cuidado estético que me surpreendeu por se tratar de um país isolado, socialista, que, por norma, esperamos ser mais cinzentão e aborrecido.” Não nestes hotéis. “As toalhas de mesa combinam com os cortinados, que combinam com as flores de um arranjo, etc.. Em muitos hotéis, temos a sensação de estarmos imersos num filme do Wes Anderson.”

Quando pensamos em design e arquitectura produzidos no interior de um país com as características da Coreia do Norte, uma das primeiras questões a surgir poderá estar relacionada com o seu isolamento do exterior. Num país de fronteiras encerradas, em que se baseiam os designers e arquitectos para a criação das suas obras? “Não pude perceber quem eram os arquitectos ou designers de cada hotel, uma vez que na Coreia do Norte não existe assinatura deste tipo de obras. São sempre erigidas por e para o líder.” James e Nicole tentaram contactar o Instituto da Arquitectura de Pyongyang para completar as páginas do livro com mais informações, mas sem sucesso. “Em todo o caso, foi-nos dito que todos os objectos que se encontram dentro dos hotéis são pensados por designers norte-coreanos e produzidos nas fábricas do país. E não há dois hotéis com mobílias iguais, cada um é único, irrepetível.”

Pyongyang é, nas palavras de Scullin, uma cidade incrível. “Foi reconstruída de uma forma monumental, para servir uma ideologia de culto ao líder e ao partido”, descreve. “Não se vê publicidade nas ruas, mas vê-se muita propaganda. Há edifícios altos e estranhos por todo o lado, hotéis de cinco estrelas, em forma de pirâmide, vazios no meio de nada.” O conceito de sucesso comercial é irrelevante, na Coreia do Norte. “É o Estado que gere todos os hotéis, o que significa que nunca entrarão em falência. O staff é imenso e os hotéis estão sempre imaculados. Trabalhar num é tido, porém, como um excelente emprego.”

Os homens e mulheres que trabalham nestes hotéis são elementos fundamentais na experiência de quem visita a Coreia do Norte. Eles e e os guias turísticos de cada grupo são os únicos norte-coreanos com quem os visitantes terão contacto. “Liberdade zero. Estás sempre com os guias e não consegues afastar-te da rota preestabelecida nem por um minuto. E é seguro: todos os dias estarás de volta ao hotel pelas 19h e terás de esperar pelo dia seguinte para continuar a ver Pyongyang.” A Pyongyang que o Estado norte-coreano quer mostrar ao exterior, claro está.

Mas o staff dos hotéis é sempre simpático, afável, garante Scullin. “Começam sempre por dizer ‘Eu? Porquê eu? Sou apenas um serviçal e tenho um aspecto terrível’, mas começam logo a arranjar o cabelo para a fotografia. No fundo, eles querem e gostam de ser fotografados.” E a comunicação é fácil. “Os norte-coreanos têm um excelente sentido de humor e são sarcásticos. Mas, no momento da foto, é certo que adoptarão uma postura séria, como se se tratasse do retrato de família daqueles que se fazia antigamente, em que ninguém podia sorrir. É por isso que toda a gente pensa que são todos tristes e malnutridos, o que não corresponde à verdade – pelo menos naquele contexto, evidentemente.”

O fotolivro de James Scullin e Nicole Reed, editado pela Head Tilt Press, descreve lugares que poucos de nós terão oportunidade de ver. “O livro não tenta oferecer uma descrição da vida na Coreia do Norte, mas sim abrir uma janela sobre os hotéis, onde cada opção arquitectónica e de decoração revela um traço de expressão individual que pode desafiar as expectativas de quem as observa a partir do Ocidente.”

Chongnyon Hotel - Exterior
Chongnyon Hotel - Exterior ©Nicole Reed
Changgwangsan Hotel - Lobby
Changgwangsan Hotel - Lobby ©Nicole Reed
Changgwangsan Hotel - Sala de Telefone
Changgwangsan Hotel - Sala de Telefone ©Nicole Reed
Pottonggang Hotel - Porteiro
Pottonggang Hotel - Porteiro ©Nicole Reed
Sosan Hotel - Sala de Jantar
Sosan Hotel - Sala de Jantar ©Nicole Reed
Koryo Hotel - Decoração de Sala de Jantar
Koryo Hotel - Decoração de Sala de Jantar ©Nicole Reed
Koryo Hotel - Sala de Karaoke
Koryo Hotel - Sala de Karaoke ©Nicole Reed
Sosan Hotel - Suite de Karaoke
Sosan Hotel - Suite de Karaoke ©Nicole Reed
Sosan Hotel - Sala de Baile
Sosan Hotel - Sala de Baile ©Nicole Reed
Sosan Hotel - Suite de Karaoke
Sosan Hotel - Suite de Karaoke ©Nicole Reed
Sosan Hotel - Piscina
Sosan Hotel - Piscina ©Nicole Reed