Habitação: Governo dá comparticipação máxima às câmaras para garantir execução
O levantamento feito sobre as carências habitacionais está ultrapassado. Mas é um plano que já existe, está aprovado, e pode receber subvenções a fundo perdido de Bruxelas.
Os municípios poderão receber taxas de comparticipação de 100% nos investimentos que fizerem no âmbito do programa de apoio ao acesso à habitação – o Primeiro Direito. O anúncio surpreendeu os próprios autarcas, os principais interessados na medida que o ministro da Habitação e das Infraestruturas levou para a sessão pública de debate sobre os temas da habitação no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Depois de ter ouvido, nessa sessão, o presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Manuel Machado, dizer que “a habitação não é uma corrida de 100 metros, é uma longa maratona”, ao encerrar o debate, o ministro Pedro Nuno Santos não escondeu a pressa. Ou seja, também se trata de uma corrida.
“Temos de construir 26 mil fogos nesta primeira leva. Será muito difícil, se olharmos para o nosso histórico. Mas temos já muitas Estratégias Locais de Habitação com acordos assinados, e actualmente todos os municípios estão já a desenvolver a sua estratégia. Temos boas perspectivas de que o país vai aproveitar esta oportunidade”, asseverou o ministro.
Em causa está um financiamento de 1251 milhões de euros que o Governo pretende ir buscar em subvenções no Plano de Recuperação e Resiliência para dar resposta a pelo menos 26 mil famílias que vivem em situação indigna em termos habitacionais. São os 26 mil casos que surgiram no levantamento efectuado pelo Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), e que o primeiro-ministro anunciou a intenção de resolver por altura dos 50 anos do 25 de Abril, isto é, até 2024.
É um diagnóstico que já está ultrapassado, como confirmaram as Estratégias Locais de Habitação feitas pelos municípios. E mesmo os acordos de financiamento feitos ao abrigo destas estratégias (já foram assinados 25) já estão ultrapassados, porque, afinal, as taxas de comparticipação vão poder aumentar. A pressa é dada pelo facto de a execução deste programa poder ser feita até 2026, mas os investimentos têm de estar todos programados e contratualizados até 2023. Aumentar a taxa de comparticipação até aos 100% é uma tentativa de garantir que se vai buscar todo o dinheiro que está na gaveta – e que vão ser beneficiados aqueles que trabalharem mais rápido a apresentar facturas e investimentos.
“É um grande desafio para o país, porque teremos de o executar num prazo muito curto. É um prazo onde todos – Estado, administração central, autarquias, cooperativas, associações –, todos temos de nos mobilizar para executar a totalidade da verba”, afirmou o ministro da Habitação.
A atribuição a fundo perdido até aos 100% é um reforço substancial das taxas de comparticipação que estavam previstas no Primeiro Direito. Este instrumento preconizava várias taxas diferentes, caso se tratasse de reabilitação (até 50%), de construção (até 35%) ou de aquisição (até 40%). E chegou a ser publicada uma majoração, de 7,5%, em todos os investimentos que fossem contratados no ano de 2021.
Agora, sabe-se que o financiamento pode ser conseguido integralmente a fundo perdido. O Primeiro Direito tem vários formatos, e com o anúncio do ministro não ficou claro se a majoração a 100% vai abranger apenas os de propriedade pública ou não.
Mas, se há a pressa com esta “corrida de 100 metros”, para usar a expressão de Manuel Machado, o ministro mostrou não querer negligenciar a “maratona”, e resolver os problemas estruturais do sector da habitação. E, pelo seu discurso, poderia dizer-se que a maratona que Pedro Nuno Santos gostaria de vencer é aquele que garantiria que, tal como há uma escola pública e um serviço nacional de saúde, também deverá ser garantida habitação condigna para todos. “E tal só é possível aumentando o parque público de habitação”, asseverou.
Depois de duas horas a ouvir contributos de vários quadrantes (investigadores, autarcas, jovens, organismos que trabalham com populações vulneráveis como sem abrigo, refugiados, população de etnia cigana, entre outros) o ministro da Habitação e das Infra-estruturas apelou à assunção da responsabilidade colectiva, para: “agarrarmos uma política pública de habitação, como agarrámos um serviço nacional de saúde”. “Se o fizermos, o financiamento não se ficará pelo PRR. Quando há massa crítica suficiente, a política vai atrás”, afirmou.
O PRR tem inscrito na componente de habitação 1633 milhões de euros em subvenções (a fundo perdido) e 1149 milhões de euros em empréstimos. “Sabemos que não vai chegar para tudo o que é necessário. Mas não deixa de ser o maior investimento de sempre nas últimas décadas. O que só mostra o quanto ficou por fazer, atrás”.
Paula Marques, vereadora da Câmara de Lisboa que participou no debate enquanto presidente da Associação Portuguesa de Habitação Municipal (APHM), lembrou que o levantamento das carências habitacionais que havia sido feito está completamente desactualizado, uma vez que ainda não tem em conta os “impactos sociais e económicos da pandemia”.
“Todas as alterações que temos tido, como situações de precariedade laboral, baixos salários e o agudizar desta crise social, têm de ter reflexo nos diagnósticos que fizemos e que estamos a fazer. O investimento público na habitação tem de reflectir o agudizar desta situação e as alterações sociais que nós estamos a ter”, defendeu a presidente da APHM, estrutura que o Governo também convidou para integrar o recém-criado Conselho Nacional da Habitação.
Aumentar o parque público habitacional é uma necessidade, afirmou a vereadora de Lisboa. Mas essa necessidade foi também referida pela representante do Conselho Nacional da Juventude, Rita Saias, pelo presidente da Câmara do Fundão, Paulo Fernandes, e pela presidente da Câmara de Matosinhos, Luísa Salgueiro. Mas Luísa Salgueiro foi mesmo a única quem, depois de falar da importância do movimento cooperativo (secundando a opinião também já transmitida por Paula Marques) quem falou da necessidade de trazer os privados para resolver os problemas públicos de habitação – há promotores interessados em construir imóveis para os arrendar ao município, e este os subarrendar no segmento acessível.
Pedro Nuno Santos assumiu que o envolvimento dos privados é importante, mas pediu a todos para não terem ilusões. “Se quisermos dar resposta às necessidades da população, temos de ser nós, dentro do Estado, quem deve assumir a responsabilidade. O nosso objectivo é sempre diferente – unicamente dar resposta às necessidades das populações e não a de enriquecermos com essa iniciativa. Não sejamos nós a ter preconceitos contra o papel do Estado na política de habitação”, terminou.