Plano de Recuperação e Resiliência: o futuro é já amanhã
Uma verdadeira política integrada de ensino superior e juventude deveria colocar os recursos para o desenvolvimento holístico da geração jovem, incentivando-a a progredir estudos ao mesmo tempo que criaria condições para o início da sua emancipação, num processo contínuo que não culminasse no regresso a casa dos pais depois.
Contribuir para o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é um exercício de participação democrática, dado que a forma como os 13,9 mil milhões serão aplicados no país será decisivo para o crescimento e progresso social pós-pandemia. Nós, enquanto jovens, somos um importante beneficiário do sucesso destas medidas e foi com esta responsabilidade que a Federação Académica do Porto apresentou os seus contributos.
O reforço da acção social no ensino superior é crucial para estimular o acesso e reduzir o abandono escolar, pois as dificuldades económicas são a primeira causa de abandono (Relatório Tribunal de Contas, 2021). Contudo, segundo a mais recente avaliação externa realizada pela OCDE ao sistema de Ensino Superior português, os mecanismos de apoio aos estudantes são insuficientes e/ou inadequados. Exige-se, assim, investimentos no combate ao abandono, seja em anos de escolaridade inferiores ou no próprio ensino superior onde, devido à conjuntura actual, com a crise económica e com a adaptação forçada do ensino online, este risco terá aumentado.
O PRR valoriza (e bem) a formação pós-graduada e ao longo da vida. Porém, os estudantes do 2º. ciclo suportam valores de propina mais elevados e o cálculo da bolsa tem como referência o valor da propina máxima estabelecida para o 1º. ciclo. O PRR assume como meta “50% dos graduados na faixa etária dos 30-34 anos até 2030”. Para que seja atingida, são precisas medidas que modifiquem o paradigma de apoio social a estes estudantes.
A falta de alojamento estudantil é um flagelo amplamente sinalizado. O Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior, apresentado em 2018, propunha 15 mil camas até 2030, porém o seu progresso tem defraudado expectativas. O PRR contempla esse objectivo, mas antecipando-o para 2026, pelo que deve beneficiar de subvenções comunitárias para que seja finalmente cumprido.
A adaptação do ensino expôs um conjunto de desafios e oportunidades, evidenciando que é imperativo priorizar a qualidade e inovação pedagógica. O PRR devia ir mais além nesta matéria. Falo da criação de estímulos financeiros para o desenvolvimento profissional dos docentes, com melhoria das competências pedagógicas e utilização de ferramentas digitais e de um sistema de “certificação pedagógica do quadro docente”. Relativamente ao apoio aos estudantes, devem ser contempladas medidas semelhantes às previstas no âmbito da Transição Digital na Educação, como a aquisição de computadores para beneficiários de acção social no ensino superior.
Os jovens e as suas famílias precisam de ser valorizados pelo investimento e, em alguns casos, pelo sacrifício feito no ensino superior, na expectativa legítima de um futuro melhor.
Em 2019, a taxa de desemprego jovem era 18,3%. Os dados mais recentes indicam que o desemprego jovem terá voltado a ultrapassar os 25% no final de 2020. Os jovens voltam a pagar a factura de uma nova crise. Com este cenário crítico, urge implementar um novo programa, com base no Garantia Jovem, instituindo, desde logo, regras que mitiguem abusos e que protejam a vulnerabilidade dos jovens que procuram uma oportunidade de emprego.
O PRR é mais uma oportunidade para afirmar a educação em Portugal como a máxima força de progresso, renovação e desenvolvimento de uma sociedade. Assim sendo, uma verdadeira política integrada de Ensino Superior e juventude deveria colocar os recursos para o desenvolvimento holístico da geração jovem, incentivando-a a progredir estudos para o ensino superior ao mesmo tempo que criaria condições para o início da sua emancipação, num processo contínuo que não culminasse no regresso a casa dos pais após a conclusão dos estudos. Porque o futuro é já amanhã, e dependerá daquilo que fizermos no presente.
Infelizmente, fica por verter neste plano uma visão mais abrangente do que poderia ser o papel do ensino superior no efectivo desenvolvimento da geração jovem deste país, uma visão que extravasasse uma perspectiva compartimentada e departamental da gestão do Estado e que fosse digna do título de reforma, tão profusamente utilizado ao longo do documento, mas que tantas vezes se refere a pequenas melhorias mais do que à modificação da organização existente.