Um túnel que continua sem luz ao fundo
Há pais desesperados, alunos deprimidos, empresários aflitos e cidadãos impacientes. Se a pandemia continuar a abrandar, dificilmente estarão dispostos a aceitar sem qualquer mudança, por ligeira que seja, as privações de hoje na segunda metade de Março.
Ninguém acredita que perante o estado actual da pandemia o Governo não esteja já a estudar um plano para o desconfinamento. Seria sintoma de um amadorismo confrangedor e de uma irresponsabilidade absoluta. Havendo, como seguramente há, uma reflexão ou um esboço de plano para reabrir o país, importa saber por que razão não é essa reflexão partilhada com os portugueses. Dizer que o silêncio se justifica perante o trauma do Natal é compreensível, mas deixa-nos a olhar para trás. Afirmar que há o risco de os cidadãos abrandarem as cautelas contra o vírus é legítimo, mas tem por base a crença de que o país não aprende com o passado ou que os cidadãos são por natureza irresponsáveis e incapazes de agir conscientemente.
Se poucos ousarão contestar mais uma quinzena de confinamento geral, poucos perceberão o silêncio absoluto sobre o que pode acontecer lá para meados de Março. Dizer apenas que a reabertura das escolas é uma prioridade é pouco. Dizer que nada muda no horizonte expectável até Abril é pura irrealidade. Se o regresso a casa e um cumprimento mais estrito das regras de segurança do final de Janeiro se explicou provavelmente tanto pela imposição da lei como pela percepção de um perigo, daqui para a frente as pessoas vão reger-se apenas pela lei e ignorar cada vez mais o perigo – porque o perigo não é o mesmo. Seja pelo número de casos por 100 mil habitantes, seja pela melhoria da situação nos hospitais, o cenário mudou. Se há um mês o Governo hesitou, foi ultrapassado pela realidade e teve de apertar o confinamento, agora arrisca-se ao efeito contrário.
Entre o receio de dar sinais que promovam um eventual desleixo das regras e o silêncio total sobre o que pode estar a acontecer, talvez haja um meio-termo. Reclamar um desconfinamento por fases, como fez o Presidente da República. Ou propor um conceito, como o que Rui Rio hoje revelou, defendendo uma abertura de acordo com o estado epidemiológico de cada região. Não ter nada cria um vazio pronto a ser ocupado pela desmobilização ou pela contestação. Há pais desesperados, alunos deprimidos, empresários aflitos e cidadãos impacientes. Se a pandemia continuar a abrandar, dificilmente estarão dispostos a aceitar sem qualquer mudança, por ligeira que seja, as privações de hoje na segunda metade de Março. Se o Governo quer regras apertadas até ao fim da Páscoa, deve começar a dar-lhes um sinal, um pequeno sinal, de que o seu esforço será premiado. Um túnel sem luz ao fundo nunca leva a lado nenhum.