Os imigrantes são bem-vindos na Europa? A opinião de nativos e imigrantes
Conhecemos as opiniões dos políticos, dos nossos amigos e sabemos o que os cidadãos de muitos países pensam sobre a imigração. Contudo, sabemos pouco sobre as opiniões dos próprios imigrantes, em particular sobre o que pensam relativamente aos imigrantes que chegam depois deles. O que determina a formação das opiniões de nativos e imigrantes? As condições de vida? A empatia criada por uma circunstância comum? Ou os valores que guiam a nossa maneira de ver o mundo?
Os recentes movimentos migratórios, acentuados pelas deslocações em massa de refugiados, tornou-se o lado visível da vida de milhões de pessoas que sobrevivem em condições desumanas, causadas por conflitos e desigualdades socioeconómicas, em países como a Síria, o Iraque ou o Afeganistão. Antes deste movimento de refugiados, alguns países europeus já tinham vivido várias ondas de fluxos migratórios que sustentaram o crescimento económico e, simultaneamente, contribuíram para a crescente visibilidade de diferentes padrões culturais e modos de vida.
Este novo cenário desencadeou posições ambivalentes no domínio das atitudes. Por um lado, tornou-se mais saliente uma perspectiva inclusiva, motivada por valores igualitários, pela urgência de igualdade e justiça. A norma do anti-racismo, a defesa dos direitos humanos, o apelo à solidariedade e à ação colectiva em defesa dos que mais precisam ganhou ainda mais importância, fazendo-se sentir em todas as esferas da sociedade. Por outro lado, assistiu-se ao reforço de uma perspectiva de exclusão, motivada por emoções negativas como o medo e a aversão, que origina medidas restritivas no sentido de “proteger” os nativos desta massa imensa de homens, mulheres e crianças.
Especificamente na Europa, construíram-se muros e cercas (Hungria, Grécia) e intensificou-se o controlo nas fronteiras (Alemanha, França). Juntamos a isto a violência assistida (ou mesmo vivida) na sequência de ataques terroristas Paris-Bataclan, Aeroporto de Bruxelas, Nice-Dia da Bastilha, Manchester Arena, Barcelona-Ramblas, que para alguns demonstra a relação entre abertura à imigração e terrorismo, e vemos crescer no discurso da extrema-direita europeia argumentos que promovem junto dos cidadãos o aumento de sentimentos de insegurança e a percepção de ameaça face aos imigrantes em geral e, em particular, aos imigrantes islâmicos.
Em paralelo a estes cenários institucionais (a generalização, por parte das instituições democráticas, dos princípios igualitários e anti-racistas versus o discurso crescente, por parte dos partidos de extrema-direita, de ódio contra os imigrantes), existe a outra face da moeda: o palco da vida quotidiana, onde imigrantes e nativos cruzam as suas rotinas.
Ser imigrante é ser diferente?
Os imigrantes são muitas vezes distintos da maior parte das populações dos países de destino: têm cor de pele diferente, falam uma língua diferente, professam uma religião diferente, têm costumes e práticas culturais diferentes e, também por isso, são categorizados num grupo “étnico” ou “racial” diferente da maioria. Por estas razões, e independentemente da bondade das leis que regulam a sua integração nos países de acolhimento, as desigualdades e injustiças continuam a fazer parte do seu dia-a-dia.
A ideia de que os imigrantes trazem mais problemas do que benefícios é partilhada por partes significativas da população nativa. É frequente ouvirmos em Portugal, mas também noutros países, que se deve “controlar” a entrada de imigrantes por razões de ordem económica (porque tiram os trabalhos aos nacionais, porque fazem baixar os salários, porque abusam do sistema de segurança social), por razões de ordem “cultural” (porque têm valores diferentes dos “nossos”, porque enfraquecem a “nossa” cultura) ou, ainda, porque contribuem para o aumento do crime. E se há quem apenas o pense, há quem abertamente o diga. Alguns exemplos:
“As actuais políticas de imigração são responsáveis pela degradação dos salários, pelo aumento da criminalidade e pela diluição da identidade nacional”
Programa eleitoral do PNR (2019)
“A imigração é perigosa para a segurança pública, para o nosso bem-estar e para a cultura cristã europeia”
Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria
“Para vir viver dos nossos impostos, já cá temos muitos, não precisamos de mais”
André Ventura, líder do Chega
De uma forma geral, os dados mais recentes recolhidos no âmbito do European Social Survey (ver caixa) dão uma ideia diferente. Cerca de um terço das pessoas que responderam nos 27 países acha que a imigração não é positiva nem para a economia, nem para a cultura, mas em média 56% manifestam abertura à imigração.
O que é ser imigrante?
Os imigrantes podem partilhar múltiplas identidades: são vistos como imigrantes pelos nativos, vêem-se a si próprios como emigrantes, mas podem ainda ver-se como nativos quando se trata de avaliar a entrada de novos imigrantes. Os imigrantes transformam os seus espaços de vida à medida que incorporam as suas identidades no tecido social e criam laços locais. No decurso deste processo, integram-se, de diferentes formas, na sociedade de acolhimento. As fronteiras entre minorias e maioria esbatem-se e os imigrantes podem começar a identificar-se, simultaneamente, com o grupo de pertença (os outros imigrantes) e com o grupo externo (os nativos). Além disso, a pertença não se define apenas através de fronteiras grupais — pode também ser expressa através da reivindicação de um território que consideram seu por terem chegado primeiro. Este sentimento de apropriação pode, por sua vez, ser usado para excluir os recém-chegados do acesso aos direitos, a posições de decisão e a cargos de poder.
Esta dupla identificação — com os nativos e com os outros imigrantes — pode originar diferentes atitudes em relação aos recém-chegados: como migrantes, e por motivos que se prendem com a sua própria experiência, a identificação com os novos imigrantes pode resultar em atitudes mais abertas e inclusivas; como membros da comunidade que conquistaram o seu “lugar”, podem partilhar algumas das preocupações dos nativos e manifestar maior oposição à imigração.
Porque os imigrantes estão longe de ser um grupo homogéneo, no estudo que realizámos considerámos dois grupos distintos: provenientes de países europeus e de países não europeus. Para medir a oposição à imigração usámos as respostas a duas perguntas que medem o grau de abertura que as pessoas acham que o país em que vivem deve ter relativamente à entrada de 1) pessoas pertencentes a grupos racializados ou etnicizados e 2) pessoas com origem nos países mais pobres fora da Europa. Escolhemos estas perguntas porque correspondem ao perfil maioritário dos imigrantes na Europa, e construímos um índice com as duas. (1)
A abertura à imigração é uma questão de empatia?
Sim, mas... De uma forma geral, os imigrantes mostram-se mais abertos do que os nativos à entrada de pessoas de “raça” ou “grupo étnico” diferente da maioria e de pessoas provenientes dos países mais pobres fora da Europa. Os imigrantes com origem em países fora da Europa mostram maior abertura do que os imigrantes de países europeus. Mas as razões que suportam os diferentes graus de abertura não são as mesmas entre os três grupos.
Entre os nativos, são os mais velhos e os que se identificam ideologicamente com a direita quem mais se opõe à imigração, enquanto os que detêm níveis de escolaridade mais elevados e se consideram mais religiosos mostram maior abertura. Entre os imigrantes de países europeus, a idade e a orientação ideológica têm impactos semelhantes aos observados no grupo dos nativos. No entanto, o nível de escolaridade e a religiosidade são irrelevantes. Este quadro é ainda mais restrito no caso dos imigrantes de países não europeus, entre os quais apenas a idade tem um impacto significativo na oposição à imigração com os mais velhos a mostrarem-se mais relutantes à entrada de novos imigrantes.
Quem vive em situações de maior precariedade rejeita mais os imigrantes? Nem sempre... Estar desempregado não gera maior oposição à imigração (mesmo no caso dos imigrantes fora da Europa que revelam uma taxa de desemprego superior às dos nativos e dos imigrantes provenientes da Europa). Viver com maiores dificuldades económicas está associado a maior oposição à imigração apenas nos nativos e nos imigrantes de países europeus. Ou seja, os que vieram de países fora da Europa e que correspondem, de facto, ao grupo que vive com maiores dificuldades económicas são os que se revelam, em geral, mais abertos à imigração.
Cheguei primeiro! E isso interessa? Sim... A duração da estadia altera as opiniões dos imigrantes quer sejam originários de países europeus ou de países não europeus. Este efeito foi já descrito noutros estudos e designado por “autoctonia” ou “direito de pré-ocupação”. Ao longo da estadia os imigrantes podem desenvolver um sentimento de direito de permanência, resultante, por exemplo, de estratégias de integração que se traduzem numa alta identificação simultaneamente com o grupo de origem e com o grupo dos nativos, que faz com que reajam de forma semelhante aos nativos à entrada de novos imigrantes.
Os valores contam? Alguns... Os valores guiam as nossas escolhas, o que achamos bonito ou feio, o que julgamos certo ou errado, os objectivos que consideramos prioritários para a nossa vida e para a sociedade. Uma das características dos valores é que não dependem de situações específicas, quer isto dizer, por exemplo, que se a liberdade é um valor importante para uma pessoa ela irá ter sempre essa motivação (entre outras) a guiar as suas atitudes e os seus comportamentos.
No caso das atitudes face à imigração vários estudos já mostraram que, no caso das populações nativas, uma maior abertura à imigração está associada a uma maior adesão ao valor do universalismo (por exemplo, achar que todas as pessoas devem ter mesmas oportunidades na vida e que todas as opiniões são importantes), enquanto uma menor a abertura à imigração está associada a uma maior adesão aos valores do conformismo (por exemplo, achar que as regras devem ser sempre cumpridas e prezar a obediência) e da segurança (dar muita importância a viver num bairro seguro e a ter um Governo que proteja os cidadãos de ameaças externas).
Considerando estes valores, vemos que a sua influência nas atitudes face a novos imigrantes não é a mesma para quem é europeu e para quem não o é. Há apenas um aspecto que une os três grupos: quem valoriza mais o universalismo vê com melhores olhos a entrada de pessoas de “raça" ou “etnia” diferente da maioria do país ou de pessoas provenientes de países mais pobres fora da Europa.
Para os europeus (nativos ou imigrantes), os valores da segurança e do conformismo estão igualmente associados a uma menor abertura à imigração. Mas isto não acontece com os imigrantes de países fora da Europa, para quem a importância dada à segurança e ao conformismo nada tem a ver com o grau de abertura à imigração. Não temos dados suficientes para explicar estas diferenças, mas é possível que os imigrantes com origem não europeia não tenham motivos para sentir a necessidade de proteger a cultura do país europeu onde vivem e, por isso, embora possam louvar tanto a segurança e o conformismo como todos os outros, estes valores não são mobilizados para formar opiniões sobre a entrada de novos imigrantes.
1. Os conceitos de “raça” e “etnia” são usados enquanto construções sociais com base em diferenças biológicas e culturais, desprovidas de base científica.
Socióloga, ICS-ULisboa
O European Social Survey, integra a infraestrutura PASSDA (Production and Archive of Social Science Data www.passda.pt) financiada pela Fundação para a Ciência e a tecnologia (Projeto no. 022210)