Por onde andam os sorrisos?

Sorrir mais e sem razão. É o desafio. Sorrir a desconhecidos tanto como a conhecidos. Sorrir quando se chega e sorrir quando se sai. Sorrir quando alguém faz algo de bom e sorrir quando alguém erra. Sorrir até quando não há nenhum sorriso de volta. Sorrir porque sim e porque não.

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Hybrid/Unsplash

Andar na rua, no supermercado, nos transportes, atenta às expressões nos olhos das pessoas (sim, que agora é o que nos resta) deixa-me muitas vezes a pensar, o que será que nos impede de sorrir mais no dia-a-dia? Todos sabemos o que é sorrir com algum motivo mas e sorrir a um desconhecido sem razão? Porque não?

Sou apaixonada por sorrisos.

Se pararmos para pensar em situações quotidianas, serviços públicos, transportes, restaurantes onde podemos ser recebidos por alguém a sorrir ou por alguém sem qualquer expressão, o que preferimos? Qual seria a nossa escolha, caso pudéssemos escolher?

Não temos de esperar pelo peso da idade para nos ensinar que devemos parar, reflectir e agir de acordo com o que nos move e faz felizes. Faz mesmo sentido esperar décadas para levarmos a nossa vida à luz do que desejamos? Temos esta sensação de que temos de seguir um caminho penoso durante algum tempo para realmente merecer aquilo que um futuro incerto, do qual desconhecemos a forma e os contornos, nos reserva. Mas fará isto sentido? E quem nos garante esse futuro? Cada vez mais acredito nos filósofos que, bem antes de nós, nos alertavam para que ninguém realmente vive no presente. Vivemos constantemente presos entre as memórias de um passado já vivido e a ilusão de um futuro que ninguém nos garante e que não sabemos se chegará. Se tudo terminasse hoje, de que valeria isso?

Costumamos ouvir que nunca é tarde demais para fazermos seja o que for que nos faz felizes. Para tomarmos “aquela” decisão. Concordo. Ainda assim, teimo em preferir outra versão — nunca é cedo demais. Não sou apologista de que para isso seja necessário largar tudo, uma grande mudança, uma reviravolta de 180º. Também não acredito que para isso sejam necessários dramatismos, cortes com o presente. Antes pelo contrário, aliás. Acredito apenas que confundimos a dose de sabedoria que inevitavelmente associamos à experiência dos anos que passam com a ilusão de que, por esse motivo, não podemos ainda, mais novos, dotar-nos também nós de todas essas capacidades que associamos aos mais velhos. A tranquilidade e a serenidade de aceitar que todos nós somos diferentes, com ambições e desejos próprios, com caminhos para os atingir que também variam de pessoa para pessoa. Sem que haja nada de errado nisso. A paz de espírito que é viver todo e qualquer dia da nossa vida sentindo que somos nós os verdadeiros donos dela, que as nossas acções são verdadeiros reflexos das nossas convicções e não daquelas que a sociedade e os outros nos querem impor.

Por que razão julgamos secretamente alguém na rua por sorrir sozinho, estar feliz sem uma razão óbvia ou aparente? Sorrir em todo e qualquer lugar onde queiramos, sobrevivendo aos olhares dos estranhos que teimam em pensar que há algo de errado connosco. Precisamos mesmo de algo externo para nos sentirmos bem, em paz? Não será possível viver a felicidade no dia-a-dia sem que haja sempre uma razão? A felicidade como estado basal? Por que razão teimamos em achar que a vida é neutra? É sempre necessário que alguma coisa concreta tenha acontecido, não é verdade? Enquanto acreditarmos que é normal ter de perguntar a alguém “por que razão sorris” ou “por que razão estás feliz” como se isso fosse alguma espécie de estado atípico ao qual só alguns têm acesso, a vida passa por nós e, lentamente, perdemos essa capacidade.

Sorrir mais e sem razão. É o desafio. Sorrir a desconhecidos tanto como a conhecidos. Sorrir quando se chega e sorrir quando se sai. Sorrir quando alguém faz algo de bom e sorrir quando alguém erra. Sorrir até quando não há nenhum sorriso de volta. Sorrir porque sim e porque não. Um desafio demasiado pequeno para todas as mudanças que sentimos. Um esforço quase inexistente se olharmos para a distância percorrida por cada sorriso. Não sabemos se não estamos a mudar a vida de alguém que se sente triste. Que por uma ou outra razão já não recebe um sorriso há algum tempo. A beleza contida num sorriso é imensa. Ele abre portas e transforma o curso de um dia. O motorista do autocarro que por acaso nos sorri quando entramos. O funcionário público que sorri enquanto nos atende. Todos aqueles que damos e recebemos durante um dia são diferentes, cada um uma história que nos marca e ensina à sua maneira. Da próxima vez que um desconhecido lhe sorrir, sorria de volta.

As pessoas ficam definitivamente mais bonitas. O mundo, consequentemente, também.

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