Saúde mental, uma missão de todos e também das empresas
Conviver com uma pandemia agravou, previsivelmente, o risco de stress e ansiedade nas organizações públicas e privadas. Mais do que nunca, este é um sinal de que a saúde mental pode e deve ser um eixo fundamental da cultura organizacional.
Ao fim de quase um ano a braços com a pandemia de covid-19, é notório que as organizações mudaram profundamente. Tiveram que o fazer para poderem responder e sobreviver numa ambiência económica e social nova e desafiante que nos “atirou”, a todos, para o refúgio dos medos que passaram a conviver connosco em permanência. Com consciência absoluta da incerteza que o contexto presente, insistentemente presente, nos angustia, dia após dia, transformaram-se processos, procedimentos e modelos de atuação, muitas vezes por caminhos completamente distintos dos outrora conhecidos, que, por sua vez, também já estavam em constante evolução. Mas uma evolução que era controlada, previsível e calculada. Sem sustos, sem surpresas.
No meio do turbilhão, é não só importante, mas necessário, estarmos particularmente atentos ao impacto destas alterações nas pessoas. Pessoas que viram o seu quotidiano pessoal e profissional alterar-se súbita e drasticamente e que, ainda assim, têm repensado e concretizado a adaptação das organizações e das suas famílias a este novo normal. Pessoas que enfrentam e lidam diariamente com a incerteza da pandemia na saúde e nas economias das suas famílias. Pessoas que não fazem teletrabalho porque não podem e que estão na linha da frente da exposição e combate ao vírus, desde o primeiro dia: os profissionais de saúde, de residências de idosos, de apoio e socorro, de segurança pública, de supermercados, de recolha e tratamento de resíduos e tantos outros. Surge aqui a questão: qual o valor para a sociedade de cada uma das profissões que enunciei e de todas as outras? Imenso! Cada profissão conta sempre, independentemente do contexto que vivemos. Estaremos, generalizadamente, de acordo mas está e vai a sociedade dar-lhe este atributo no futuro?
Os tempos que vivemos têm efeitos sérios no bem-estar e na saúde mental. Muitos profissionais estão hoje a trabalhar a partir de casa, a gerir como podem as sobreposições entre a esfera profissional, pessoal e familiar, separados das suas equipas e sobrecarregados pelas exigências que decorrem de uma excelente prestação de serviço aos seus clientes e parceiros de negócio. Outros continuam a deslocar-se aos locais de trabalho, mas sem as rotinas de outrora. Esta multiplicação simultânea de esforços mobiliza as nossas competências e capacidades até ao limite, retirando ou minimizando a possibilidade de gerirmos a necessária separação entre estas “esferas” de forma adequada, conveniente e saudável.
Como resultado, aumenta o risco do que hoje se conhece por burnout, ou seja, a exaustão extrema ou síndrome do esgotamento profissional. A ansiedade, a angústia, o isolamento, o conflito familiar e os medos são alguns dos fatores que poderão desencadear os estados indesejados de depressão, desmotivação e aceitação apática do fracasso. Surgem, portanto, outras questões: não é destas pessoas que depende também a recuperação da crise sanitária, da economia e da evolução no período pós-covid-19? Poderemos ignorar o quão importante é o seu bem-estar? É aqui que reside a substância material de que a saúde mental passou, definitivamente, a ser uma disciplina incontornável da gestão e um dever inequívoco das organizações em geral e das empresas em particular.
A saúde mental é uma vulnerabilidade estudada e real, a que as empresas já dão e devem continuar a dar resposta, colocando a promoção da saúde mental como parte integrante e relevante da cultura organizacional, sem preconceitos e sem tabus. Muitas organizações já o faziam na era pré-covid-19, mas sabemos agora, com mais certeza, que é preciso encarar definitivamente esta realidade e acelerar as medidas que permitam atingir três objetivos: criar redundâncias na comunicação (para contrariar o isolamento), promover, testar e implementar modelos interativos de apoio que se ajustem e funcionem mesmo à distância e reforçar novas competências.
Dinamizar o contacto, a colaboração, a criatividade, a inovação, são, entre outros, estímulos positivos que concorrerão para consolidar a afirmação das competências pessoais de cada indivíduo, das equipas e das organizações. Trabalhar a saúde mental de forma preventiva e sustentada é conseguir ser um protagonista da mudança dos estigmas associados às súbitas incertezas que o mundo nos continuará a “oferecer” e elevar a possibilidade de melhor gerir os momentos de crise, reforçando a transversalidade colaborativa, numa ambiência integrada de diversidade e inclusão.
A existência de uma cultura de saúde mental nas organizações, públicas e privadas, é também sinónimo de crescimento e competitividade. O bem-estar dará um forte contributo para a elevação da autoestima, para uma melhor preparação e resposta ao momento que a sociedade enfrenta e para o futuro que já vemos correr em cada olhar da nossa vida. A saúde mental é uma missão de todos.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico