Acreditem na ciência, porra!
As pessoas podem acreditar no que quiserem, mas não podem negar que um avião voa porque os engenheiros descobriram como pôr um avião a voar, ou que uma vacina funciona porque os médicos descobriram como estimular o corpo humano para se proteger de uma ameaça vírica.
As estatísticas mostram que a maior parte da população mundial acredita nas religiões. Isto é, acredita em histórias transcritas em livros antigos, passadas de geração em geração, sem qualquer evidência científica sólida que as corroborem.
Ao mesmo tempo, o mundo é, hoje, um fortíssimo utilizador do conhecimento científico: sem a ciência não teríamos electricidade em casa, não teríamos prédios, estradas, pontes, não teríamos a internet (onde se propagam tantas ideias anti ciência), não teríamos os meios audiovisuais, nem sequer os hospitais, os medicamentos e os cuidados de saúde de que dispomos. A grande maioria das pessoas adora viajar e, para viajar, recorre à ciência: aos comboios, aos aviões, aos barcos, aos automóveis.
Infelizmente, as pessoas estão tão habituadas a usufruir da ciência que nem dão fé que têm que dar graças à ciência por usufruírem de tudo quanto usufruem. Pior, nestes tempos das redes sociais, em que cada um diz o que quiser, e diz o que outro disse e, por isso, acha que sabe qualquer coisa, muitos caem na tentação das respostas fáceis a perguntas difíceis, nas soluções milagrosas e desrespeitam o conhecimento científico.
Antes da pandemia, já era notório o movimento anti-vacinas, que se agarrava a ideias delirantes, a teses ilógicas sobre os impactos nocivos das vacinações, quando foi graças à vacinação que conseguimos erradicar um sem-número de doenças perigosas que, de outra forma, não teriam sido erradicadas.
Agora, com a pandemia, muitas outras teses obtusas nasceram, dizendo que a vacina não funciona, que a vacina vai mudar o nosso adn, que a vacina vai-nos implantar um chip, e demais ideias paranóides.
Voltando ao princípio, isto tudo acontece num mundo onde as pessoas estão dispostas a acreditar em ideias sem qualquer base científica, isto é, sem qualquer base empírica sólida. Acreditam, porque quem lhes transmitiu a informação tinha um ar e uma postura credível, porque os seus pais e seus pares acreditam, porque lhes é mais confortável acreditar numa solução fácil, e, depois, põem-se a fazer mil e uma críticas aos resultados científicos. Porque esses não são consensuais, porque não são definitivos, quando é, exactamente, essa a definição e a força do conhecimento científico: um processo de busca, continuada, de uma aproximação cada vez maior à realidade, à verdade.
É evidente que a ciência não tem respostas finais 100% definitivas. Mas ninguém tem, muito menos as religiões ou a filosofia.
Não há nada no mundo que funciona melhor do que a ciência. Não há um outro esquema de interpretação e de interpelação da realidade que nos permita tantos avanços, que traga tanta utilidade e longevidade para os seres humanos.
Mesmo em países onde a população tem elevadas qualificações académicas, há muitos que são extremamente críticos e exigentes para com a ciência. Ao mesmo tempo, são verdadeiros acéfalos face a explicações conspirativas ou pseudocientíficas. Aquilo que peço a essas pessoas é que utilizem um pouco da sua fé, e a ponham na ciência.
A ciência não precisa de fé. A ciência funciona independentemente da crença das pessoas na ciência. Mas, para a ciência ter uma aceitação global, é preciso que as pessoas não a estejam constantemente a pôr em questão, principalmente quando nada sabem de ciência para a pôr em questão.
A ciência discute-se entre pares, entre pessoas que percebem de ciência. A todos nós, enquanto utilizadores dos frutos ciência, compete-nos ouvir o que os cientistas dizem e aceitar o que os cientistas dizem.
É verdade que, na ciência, estão sempre a ser feitas novas descobertas e o que hoje é tido como a melhor solução pode, amanhã, deixar de ser. Mas isso nada diz de mal relativamente à ciência, pelo contrário, isso é a honestidade e a humildade que a ciência tem e que falta a todos os outros esquemas dogmáticos de pensamento, como o religioso ou outros metafísicos.
Face a tanta ingratidão e desprezo, dá vontade de criar, para a ciência, os mecanismos de marketing que os outros métodos de pensamento utilizam: os templos, as liturgias, os rituais, a ideia de pertença à comunidade. Dá vontade de só tratar alguém num hospital se essa pessoa se “converter” à ciência. Dá vontade de só deixar entrar num avião quem fizer uma prévia declaração de amor ao conhecimento científico.
É que, senão, perpetuamos este mundo paradoxal e injusto, em que quem produz ciência é questionado até ao tutano (e bem), enquanto que quem produz baboseiras é adorado (e mal) como portador das verdades absolutas.
É tempo de dar às pessoas uma educação cada vez mais forte em ciência, desde o ensino primário. Mostrar como funciona o raciocínio lógico e o pensamento científico. Mostrar os inúmeros exemplos de como a nossa viva depende em absoluto da ciência, e de como os outros pensamentos que existem não podem pôr em causa os resultados científicos.
As pessoas podem acreditar no que quiserem, mas não podem negar que um avião voa porque os engenheiros descobriram como pôr um avião a voar, ou que uma vacina funciona porque os médicos descobriram como estimular o corpo humano para se proteger de uma ameaça vírica.
É tempo de respeitarmos a ciência.