Começou o julgamento de Suu Kyi, acusada de ter walkie-talkies e de má gestão de catástrofes

Manifestantes rejeitam alegação dos militares que dizem ter apoio maioritário na população. Movimentações dos militares causam preocupação.

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Manifestantes continuam a sair à rua em apoio a Suu Kyi Reuters
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Milhares de pessoas voltaram a protestar nas ruas da cidade de Rangum nesta quarta-feira, mantendo a sua oposição ao golpe militar e rejeitando a alegação dos militares de que têm o apoio maioritário dos birmaneses.

Os protestos contra o golpe e contra a detenção de Aung San Suu Kyi têm-se repetido apesar da crescente pressão dos militares, que puseram carros de combate nas ruas e impuseram penas de até 20 anos de prisão para quem criar obstáculos aos militares.

Suu Kyi teve nesta terça-feira o primeiro dia em tribunal, por videoconferência, disse o seu advogado, depois de ter recebido mais uma acusação, de ter violado uma lei de gestão de desastres naturais. A acusação anterior, que se mantém, era de ter importado ilegalmente seis rádios walkie-talkie.

O advogado não conseguiu assistir à sessão, explicou ao diário The Guardian, porque não foi avisado pelo tribunal, e quando se juntou à videoconferência já esta tinha acabado. Não foram dados mais detalhes sobre a sessão, que durou apenas uma hora, excepto que a próxima audiência será a 1 de Março.

Na terça-feira, o porta-voz do conselho militar, Zaw Min Tun, alegou ter apoio de grande parte da população: 40 milhões entre os 53 milhões de birmaneses apoiavam a sua acção, declarou. O responsável voltou a prometer levar a cabo eleições justas – os militares dizem que houve fraude nas eleições de Novembro que o partido de Suu Kyi, a Liga Nacional para a Democracia, venceu por larga maioria.

“Estamos aqui para mostrar que não estamos naqueles 40 milhões que anunciaram”, disse Sithu Maung, da Liga Nacional para a Democracia, a uma multidão numa praça no centro de Rangum, à agência Reuters.

O porta-voz negou ainda que Suu Kyi, assim como o Presidente Win Myint, estivessem detidos, dizendo que estavam em suas casas para sua segurança. Acrescentou que a política externa não vai mudar e que o país vai manter acordos comerciais.

Mas do estrangeiro a condenação mantém-se. O Presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou na semana passada sanções aos militares e o Departamento de Estado disse em comunicado estar “preocupado” com a nova acusação. “Como disse o Presidente, a tomada do poder pelos militares é um ataque directo à transição de poder para a democracia e ao Estado de direito”, cita a Al-Jazeera.

De Londres, veio a promessa de que o Reino Unido e outros países com posições semelhantes face à Birmânia “não vão ignorar estas violações”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Dominic Raab. “Vamos assegurar-nos de que os seus autores são responsabilizados.”

Mais de 450 detenções

A Associação para os Prisioneiros Políticos disse que desde o golpe foram detidas mais de 450 pessoas, incluindo a maioria dos altos responsáveis da Liga Nacional para a Democracia. As detenções têm sido feitas à noite, quando as autoridades cortam a Internet, o que aumenta o sentimento de insegurança e medo.

A par dos protestos, mantém-se uma campanha de desobediência civil, que procura paralisar as funções-chave do Governo e dos serviços públicos.

O activista pró-democracia Min Ko Naing, veterano dos protestos esmagados pelos militares em 1988, sublinhou a importância desta campanha de desobediência. “Eles pensam que se detiverem os líderes não há mais nada a fazer, mas as coisas já não são assim”, declarou, citado pela Reuters.

Aos mesmo tempo que os protestos têm oscilado em números, têm-se juntado mais vozes, como de celebridades e de monges budistas.

O actor Pyay Ti Oo foi um dos que falaram à multidão em Rangum: “Eles dizem que somos como um incêndio que vai acabar por se extinguir, mas será assim? Não. Não vamos parar até conseguirmos”, garantiu.

Em Rangum e noutras cidades havia ainda protestos com estradas bloqueadas por “carros avariados”, em que os condutores deixavam os seus automóveis parados nas vias com os capots abertos, para impedir a passagem de militares.

Uma faixa num dos protestos dizia: “Não nos vamos curvar sob as botas militares.” 

A Birmânia estava num processo de reforma iniciado em 2011, depois de mais de quase 50 anos de domínio dos militares. Muitos têm medo de que os protestos sejam reprimidos tal como foram alguns nessas décadas.

O relator especial da ONU, Tom Andrews, notava relatos de deslocação de militares de outras partes do país para Rangum. “No passado, estas movimentações precederam mortes, desaparecimentos, e detenções em massa”, disse. “Os militares podem estar prestes a cometer ainda mais crimes contra a população da Birmânia.”

Suu Kyi, 75 anos, passou quase 15 anos em prisão domiciliária pelos seus esforços para o fim do regime militar, o que lhe valeu o Nobel da Paz (mais tarde, a sua atitude face à perseguição da minoria rohingya levou a que muitos a criticassem, chegando a ser pedida a retirada do prémio).

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