O mercado dos brinquedos eróticos continua a crescer à boleia de “uma pequena revolução”
A tendência é de crescimento e é global: até 2024, este mercado deverá crescer 9,83 mil milhões de dólares. O desenvolvimento tecnológico dos produtos ajuda, mas é o isolamento social (e a vontade de conhecer o corpo) que mais contribui para essa expansão. Contudo, é preciso lembrar que nem toda a gente encontra um escape no sexo e na masturbação.
O mundo vive a pandemia da covid-19 há quase um ano e, tal um concerto interminável, há bis em 2021: volta o confinamento, a casa parece encolher, comer fora é memória longínqua (tal como os concertos). E há, novamente, horas vazias por preencher. Nesta aborrecida partitura, existe quem encontre espaço para, pela primeira vez ou não, dar a volta ao tom. A cappella ou acompanhado, viaja-se por graves e agudos, reage-se a diferentes andamentos, o clímax está quase aí.
Por outras palavras: descobre-se o corpo. É a partir destes momentos que o mercado de produtos eróticos continua a crescer, à semelhança do que aconteceu em 2020. Na altura, as vendas também dispararam em Portugal, segundo o testemunho de alguns proprietários de sexshops portuguesas e internacionais. Mas este não foi um fenómeno exclusivo da solidão e tempo para novas experiências que o primeiro confinamento trouxe.
Em 2020, o mercado global de brinquedos eróticos foi valorizado em 33,64 mil milhões de dólares, segundo um relatório da Grand View Research. O grupo de pesquisa de mercado e consultoria refere, no mesmo documento, que perspectiva uma taxa de crescimento anual composta para o sector “de 8,04% de 2021 a 2028”. Já a Technavio, num outro relatório, indica que o “mercado global de brinquedos sexuais deve crescer 9,83 mil milhões de dólares americanos” entre 2020 e 2024. Contudo, lê-se na Business Wire, que cita o documento, já se sentia um “aumento da demanda por vibradores em 2019”.
A tendência de contínuo crescimento é reiterada por Elsa Viegas, uma das fundadoras da Bijoux Indiscrets, empresa de produtos sensuais sediada em Barcelona. “Fechámos o ano de 2020 com números incríveis. Tendo em conta o momento que o mundo vive, é alucinante”, diz. Os números continuaram a ser positivos mesmo durante o Verão e até em Janeiro, que, para a empresa, costuma “ser pouco relevante” em termos de vendas. Com a pandemia, passaram a vender “mais brinquedos eróticos”, como o vibrador Twenty One, em forma de diamante, “e cosmética íntima”.
A “curva de aumento” também pautou o ano de 2020 da Mister Cock, uma sexshop voltada para o público gay. “Este mês já vamos com um aumento de 30% relativamente ao mesmo período do ano passado”, indica Susana Peixoto, directora de vendas da loja. Os lubrificantes continuam a ocupar o primeiro lugar nas vendas. O pódio fica completo com poppers e com os os duches anais. “As pessoas começam a fidelizar-se. Temos uma carteira muito maior e 30% diz respeito a novos clientes”, conta. Nas semanas anteriores ao Dia dos Namorados, também se vendeu mais do que no período homólogo do ano passado.
O mesmo aconteceu com a farmácia online Mifarma, que recentemente divulgou que a venda de produtos e brinquedos eróticos tinha aumentado em 40% durante a pandemia. Num e-mail enviado ao P3, Reme Navarro, farmacêutica e co-fundadora da Mifarma, especifica que esse crescimento se observou, sobretudo, neste segundo confinamento. “No entanto, se compararmos ano a ano, passamos de quase nenhum volume de vendas para a venda regular de mais de 500 encomendas destes produtos, com um crescimento de mais de 600% em relação ao ano anterior [2019]”, acrescenta. As receitas “aumentaram em 188%” em relação ao período pré-pandemia.
Ninguém é igual
Isso fez com que a farmácia tivesse de repor o stock destes produtos “com grande frequência”, tendo a “categoria de acessórios sexuais” ganho “muito peso” no site. Para além dos acessórios, no top de vendas encontram-se os lubrificantes; “antes, eram os preservativos”. Mas os campeões de vendas foram mesmo os sugadores de clítoris, como o Satisfyer. “É o produto mais popular no momento e não só na Mifarma”, afirma Reme Navarro.
A psicóloga e sexóloga Tânia Graça concorda: o sucesso do Satisfyer é “mundial”, apesar de ter “rebentado mesmo em Espanha”. “Mas não é o único exemplo. Muitas vezes mostro alguns exemplos de brinquedos sexuais e noto que esgotam rapidamente na sex shop com que trabalho”, diz. E por que motivo? “Talvez pela forma que partilho as coisas, mas também pelo interesse das próprias pessoas. Há uma maior disponibilidade para essas práticas, já que nos vemos obrigados a estar connosco.”
Contudo, nem toda a gente encontrará no prazer sexual o melhor escape à pandemia. “Cada pessoa é uma. Vivemos uma situação imprevisível, que traz ansiedade e stress, inimigos do desejo sexual”, explica. Já Elsa Viegas frisa que “é preciso não esquecer” que vários aspectos foram afectados pela pandemia — principalmente a saúde mental, “que continua a ser o grande tabu”. “Só há espaço para esta conversa se as necessidades de primeira linha estiverem cobertas. Se a preocupação e o stress estiverem instalados, falar sobre isto não tem sentido”, defende. Ao mesmo tempo, “se a sexualidade não for esquecida, ajuda a um estado de ânimo”. Apesar de não concordar com generalizações, Reme Navarro considera que “saber mais sobre sexualidade também é saber mais sobre saúde, seja física ou mental”: “Sabermos aquilo que gostamos e que nos faz bem e termos um pensamento aberto faz de nós pessoas mais abertas.”
“Uma pequena revolução a acontecer”
Tânia Graça inaugurou a sua página do Instagram (que conta com quase 96 mil seguidores) em Outubro de 2019. Começou a mostrar produtos no início de 2020 e isso teve resultados positivos. “Acho que a página cresceu rapidamente por isso, mas também pela curiosidade de ouvir falar de coisas que não têm sido faladas ao longo do tempo”, diz. Agora, nota que há “montes de malta” a falar sobre temas como os brinquedos e a masturbação feminina: “Sinto que neste ano houve um grande salto.”
Para Elsa Viegas, há “uma pequena revolução sexual a acontecer”. No sector, “há cada vez mais empresas criadas e dirigidas por mulheres, o que ajuda a aproximar a consumidora a este produto”. Para isso também contribuem parcerias de celebridades com empresas ou marcas do género. Foi o caso de Dakota Johnson, que em Novembro não só investiu na Maude (marca de produtos de bem-estar sexual) como assumiu o cargo de co-directora criativa. Também Cara Delevingne passou a ser uma das proprietárias (para além de conselheira criativa) da Lora DiCarlo.
O percurso dos negócios ligados à tecnologia sexual parece, agora, seguir sem obstáculos; aliás, a Satisfyer arrecadou dois prémios na categoria de inovação na edição deste ano da Consumer Electronics Show (CES), considerada a maior feira de tecnologia do mundo. Mas nem sempre foi assim. Em 2019, o vibrador Osé, da empresa Lora DiCarlo, venceu um prémio de inovação em robótica no mesmo evento, mas a Consumer Tech Association revogou o galardão por ser “imoral, obsceno, indecente ou profano”. No entanto, o prémio acabou por voltar à fundadora da empresa meses mais tarde.
O vibrador era, do ponto de vista tecnológico, “inovador”: segundo a Paper, detinha “oito patentes com aplicações não necessariamente exclusivas aos brinquedos sexuais”. A indústria cresce também a esse nível porque, entende Tânia Graça, o mesmo acontece em todos os outros sectores: “Temos aspiradores que aspiram a casa por nós, o telemóvel é como se fosse um braço. O mesmo acontece com os brinquedos sexuais.” Exemplo disso é a popularidade crescente dos produtos que funcionam à distância, “a partir qualquer parte do mundo”, e a expansão “da realidade virtual” para este âmbito, lembra Elsa Viegas. “Os brinquedos são cada vez mais interactivos e há um investimento enorme que não penso que vá parar. Rimo-nos do Joaquin Phoenix no filme Her, mas é um pouco o que está a acontecer”, diz.
E não há vergonha nenhuma nisso ou em comprar, pela primeira vez, um brinquedo erótico: “Ainda se fala muito pouco sobre isto, há muito desconhecimento, mas não há nada a esconder.” Depois da pandemia, Tânia Graça acredita que haverá “uma grande libertação sexual”. “Tem sido muito desafiante para solteiros e solteiras, principalmente. Não só pelo sexo, mas também porque o contacto físico e socializar é importante. Acho que essa libertação pode acontecer”, prevê. E deixa um aviso: “Muito cuidado quando as portas se abrirem. A malta vai-se engalfinhar!” E a música será outra.