Mesmo quando sabem que estão a aceder a informação enviesada, as pessoas não mudam o que escolhem ler
Estudo do Nova SBE Behavioural Lab conclui que pessoas entendem que estão a recolher informação pouco equilibrada, mas, mesmo assim, não mudam a sua posição. Como se muda isto é o que é preciso explorar a seguir.
A experiência teve um resultado surpreendente. As investigadoras do Nova SBE Behavioural Lab esperavam que os participantes a quem foi explicado o que era o “viés de confirmação”, ou seja, a procura de informação que apenas sustente as nossas crenças prévias sobre determinado assunto, mudassem a sua atitude e passassem a consumir notícias mais variadas. Mas tal não aconteceu. Numa análise directamente relacionada com as vacinas da covid-19, não houve mudanças significativas entre aqueles que se mostravam cépticos sobre a sua segurança e eficácia. Ou vice-versa.
Desde o início da pandemia que a equipa do laboratório comportamental da Universidade Nova de Lisboa está a realizar estudos relacionados com a forma como as pessoas se relacionam com as medidas de prevenção aplicadas no âmbito da pandemia. Numa primeira fase, em que se olhou para as medidas na generalidade, trabalharam com um grupo de pessoas de Portugal e outro dos Estados Unidos da América. Mas, posteriormente, decidiram focar-se apenas na questão das vacinas e no modo como as pessoas estavam dispostas a aderir à sua utilização, recorrendo apenas a um grupo de participantes norte-americanos. Irene Consiglio, da direcção do laboratório, diz que os resultados obtidos podem ser extrapolados para Portugal, já que as diferenças previamente detectadas nos dois grupos não foram significativas. “Para nós, os resultados foram muito interessantes, especialmente no caso das vacinas”, diz.
E porquê? Porque a dificuldade em levar as pessoas a procurar informação mais equilibrada, pondo de lado a visão enviesada que traziam sobre o tema, revelou-se muito mais difícil do que as investigadoras esperavam.
Os participantes começaram por ser questionados sobre se pretendiam ou não ser vacinados. Depois, foram-lhes fornecidos títulos de notícias reais relacionados com o tema, a favor e contra as vacinas, para que decidissem quais os que escolheriam se quisessem saber mais sobre o tema. “Aqui vimos o que esperávamos: quem era contra ou está com dúvidas, procurou informação contra as vacinas, e vice-versa. As pessoas tendem a escolher em linha com a sua opinião original”, explica a cientista comportamental. A surpresa veio depois.
A um grupo de pessoas foi feito o que Irene Consiglio e Sofia Kousi, outra investigadora do projecto, chamam “intervenção”. Ou seja, foi-lhes mostrado um vídeo em que se explicava o que era “o viés de confirmação” e como se deve proceder para escapar a essa tendência. “A nossa previsão era que se os “desviesássemos”, eles iriam começar a ter em conta informação que seria o oposto daquilo em que habitualmente acreditam”, admite Irene Consiglio. O resultado foi diferente.
“O que observámos é que a intervenção funciona, no sentido em que as pessoas entendem o viés e conseguem corrigi-lo em cenários hipotéticos. Mas quando têm de aplicar essa aprendizagem na sua vida diária, seja para as medidas de prevenção ou na vacinação da covid-19, não vemos um efeito”, diz. “Infelizmente, o que isto mostra é que mesmo quando explicamos o problema e como o corrigir, não é suficiente. O que exige mais responsabilidade em termos de quem gere as notícias, porque a verdade é que as pessoas têm dificuldade em gerir elas mesmas a informação. Se são contra as vacinas, decidem ler sobretudo artigos nesse sentido e não vão procurar espontaneamente equilibrar essa informação. Intuitivamente sabemos que quando vamos tomar uma decisão, temos de ter em conta os aspectos a favor e contra, mas, surpreendentemente, na prática, quando falamos de decisões importantes, não o fazemos. Este é o principal problema que detectámos”, diz.
As investigadoras identificaram uma pequena mudança no comportamento de algumas pessoas (não mais do que 21% do total), mas que consideram pouco significativa, e que se fez sentir apenas entre aqueles que tinham dúvidas mais ligeiras sobre se iriam ou não tomar a vacina. “Há uma correlação, claro. Quanto mais negativa a posição - e não estamos a falar de pessoas anti-vacinas, extremadas -, mais artigos negativos procuram e isso é menos pronunciado entre as pessoas que simplesmente têm dúvidas. Mas em todo o espectro não vemos uma mudança significativa e isso é que foi estranho para nós”, afirma Irene Consiglio.
E por que é que as pessoas não mudam, mesmo percebendo que estão a recolher informação de forma enviesada? Sofia Kousi diz que esta é “uma boa questão”, para a qual não tem uma resposta fechada. “Talvez seja uma boa área para explorar num estudo mais aprofundado. Valeria a pena tentar perceber, por exemplo, o que acontece se pegarmos em pessoas que têm visões negativas e as pomos a ler algo com uma visão positiva. Isso vai fazê-las mudar de opinião, ou simplesmente ignoram esta informação? No nosso estudo focámo-nos no tipo de artigos que seleccionariam por si mesmas, mas seria interessante perceber se o seu ponto de vista mudaria, caso fossem expostas a informação mais equilibrada”, diz.
A curta duração da experiência não permitiu aprofundar esta questão, nem sequer aquela que representará o passo seguinte - o que é que se faz para mudar isto? Irene Consiglio recorda que ao nível das redes sociais, já há alguma coisa a ser feita pelas empresas que as gerem, quando identificam notícias falsas. Mas diz que isto não chega: “Deve-se ter artigos mais equilibrados, falando dos riscos e benefícios, sejam positivos ou negativos, porque as pessoas não tendem a procurar esse equilíbrio por elas mesmas. Isto podia significar que as plataformas de redes sociais deviam procurar uma maior intervenção, no sentido de identificarem também artigos que só veiculam um dos lados da questão.”
Sofia Kousi acrescenta que seria importante também perceber “as motivações” por trás da posição das pessoas. “Porque está inseguro? São as pessoas à sua volta? Todos aqueles com quem contacta dizem a mesma coisa? Seria importante perceber também isto, para nos podermos dirigir a estas pessoas de forma condizente”, defende.
Mas, acima de tudo, diz Irene Consiglio, deve-se investir na educação. “Eu não desistiria do treino a longo prazo. Se educarmos as pessoas para tomarem melhores decisões, elas devem perceber e agir em conformidade. Essa é a minha esperança, como educadora. É claro que (e esta é a má notícia em relação a este projecto), não são intervenções a curto prazo que podem ser aplicadas numa crise. Pode ter de se esperar um ano para educar um grupo e obter resultados. Mas, para situações futuras, isto era o que gostaria de ver acontecer”, diz.