Este confinamento foi fácil. O próximo não será
Se, para já, o Governo tem condições para manter o país semicerrado, a desejável redução de casos vai mudá-las. Se este estado de emergência ainda exprime o trauma recente, o desenho do próximo poderá já ser dominado pela sensação de alívio, por fugaz que seja
Apesar das notícias da redução do número de infecções e de óbitos após um mês de confinamento geral, o Governo promete mais do mesmo para as próximas semanas. Se a 14 de Janeiro o primeiro-ministro admitia “dar a cara sem rebuço nem vergonha de voltar atrás”, renegando a estratégia relaxada e hesitante do Natal, agora António Costa regressa à pose assertiva do primeiro confinamento para não admitir sequer discutir datas possíveis para o levantamento parcial das restrições. Mais do que a economia, o emprego ou a educação dos jovens, o controlo da pandemia com mão de ferro é o princípio e o fim da missão do Governo nas próximas semanas. Não havia alternativa.
É forçoso detectar nesta atitude um reflexo do Natal, como aqui escrevemos esta semana. Assumir a liderança mundial dos contágios ou das mortes tem um custo político insuportável e o Governo que o pagou uma vez não resiste a uma segunda factura. Aparecer agora com frases duras e planos inflexíveis, mostrando-os com ar confortável, seguro e confiante como o fez o primeiro-ministro é o mais fácil. Porque é o mais entendível, mais seguro e mais apoiado pelos cidadãos. O que normalmente não se gosta de ouvir é hoje música celestial: o desconfinamento nem sequer se discute; os atrasos nas vacinas exigem prudência; a variante inglesa do vírus também. Temos de nos conformar com um cenário negro e sem fim à vista até ao final de Março.
Mas se assumir essa pose severa é fácil neste contexto, é legítimo duvidar de que a dose se possa repetir daqui a 15 dias. Invertendo os papéis de Março passado, o Presidente da República está mais aberto a pequenos acertos no confinamento do que António Costa (na venda de livros ou num plano faseado de regresso à escola). Os partidos dão crescentes sinais de impaciência. Os cidadãos em teletrabalho com filhos estão sujeitos a um desgaste terrível. Os pequenos empresários estão em perigosa aflição. O isolamento agrava as condições de saúde mental e dissolve a coesão social. Um tímido sinal de controlo da pandemia pode mudar o sentimento da opinião pública do confinamento para o desconfinamento.
O grande desafio é definir o limite. Se, para, já o Governo tem condições para manter o país semicerrado, a desejável redução de casos vai mudá-las. Se este estado de emergência ainda exprime o trauma recente, o desenho do próximo poderá já ser dominado pela sensação de alívio, por fugaz que seja. Tal como em França, o Governo terá de escolher entre os avisos dos epidemiologistas e a impaciência dos cidadãos. O que estará em causa será uma opção política. Uma difícil opção política.