Asfaltar caminho que atravessa Laurissilva na Madeira é “atentado”, dizem ambientalistas

Governo madeirense quer pavimentar caminho que serpenteia a floresta Laurissilva, que é património mundial natural pela UNESCO. Ambientalistas estão contra e ameaçam com queixa internacional.

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Gregorio Cunha

São nove organizações ambientalistas. A SPEA, a AAPEF, a ANP/WWF, o GEOTA, a FAPAS, a LPN, a Quercus, LPN, a SPECO, a ZERO. Todas são unânimes. A pavimentação e requalificação dos 9,25 quilómetros do caminho que liga o sítio das Ginjas, em São Vicente, Norte da Madeira, ao Paúl da Serra, no planalto central da ilha, é um atentado ambiental.

Em causa está o projecto do governo madeirense, apoiado pela autarquia local, de asfaltar uma estrada íngreme de terra batida, que sobe montanha acima, por entre a floresta Laurissilva, classificada, há 20 anos, como património mundial natural pela UNESCO.

O prazo de consulta pública ao estudo de impacte ambiental (EIA) terminou esta semana, e a avaliação feita pelas nove ONG ao documento encomendado pelo executivo madeirense, é arrasadora. “O EIA apresenta ilegalidades, falhas técnicas muito graves, falta de rigor científico e uma tentativa grosseira para ocultar a fiel caracterização do estado actual do ambiente na área do projecto” resumem as associações ambientalistas, num comunicado partilhado, no qual Domingos Leitão, director-executivo da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), acusa: “Este estudo pretende apenas mascarar um projecto inútil e lesivo para o ambiente, que não serve nem as populações, nem os interesses da região”.

O caminho das Ginjas foi aberto nos anos oitenta do século passado, com a justificação de criar uma ligação alternativa entre o Norte e o Sul da ilha, que são divididos pelo maciço montanhoso central. Uma escapatória à estrada regional, que na altura era a única ligação entre as duas costas do território. A estrada acabou por não ser utilizada, com excepção dos passeios com veículos todo-o-terreno de turistas ou madeirenses, serviços florestais e entidades envolvidas em trabalhos científicos, como a SPEA, que desenvolve na zona o projecto Life Fura-bardos, direccionado para a conservação daquela ave, cuja população cinge-se à Madeira e cinco ilhas do arquipélago das Canárias. O difícil acesso e consequente pouco movimento, têm contribuído para que a zona onde foi feita a intervenção, esteja em processo de regeneração pela própria floresta.

A Laurissilva, uma floresta húmida com características subtropicais, remonta ao período Terciário, há cerca de 20 milhões de anos, altura em que se estendia por vastas extensões do Sul da Europa e do Norte de África. As glaciações determinaram o fim da floresta no continente, resistindo no Atlântico. Nos Açores, é praticamente residual, existindo algumas manchas de floresta nas ilhas de São Miguel e na Terceira. Nas Canárias tem pouco mais de três mil hectares, e é na Madeira que assume alguma dimensão. São 15 mil hectares, cerca de 20% do território da ilha, que, avisam os ambientalistas, vão sofrer caso a intervenção no caminho das Ginjas avance.

O executivo não se tem mostrado muito sensível a estes apelos. Foram feitas manifestações, protestos silenciosos, abaixo-assinados (todos, diga-se com reduzida adesão pública) e mesmo iniciativas parlamentares, que questionam não só o impacto da obra, como a sua necessidade e o montante, os tais sete milhões de euros, comparticipados por fundos comunitários, do investimento. Os argumentos do governo PSD/CDS liderado por Miguel Albuquerque, que colhem o entendimento da autarquia de São Vicente, da mesma cor política, assentam na necessidade de requalificar a antiga estrada de terra batida devido aos riscos que ela representa (enxurradas), ao mesmo tempo que abre uma linha de protecção e combate a incêndios, e o impacto económico e social que a ligação trará para aquela comunidade.

As ONG rebatem ponto por ponto. Em relação aos incêndios, o parecer diz o contrário. O aumento da circulação, além da perturbação ambiental, vai sim potenciar os riscos de incêndios e, quanto aos riscos de enxurradas, os ambientalistas lembram a importância da Laurissilva no ciclo hídrico da ilha. Por último, sobre a justificação económica e social, o documento diz tratar-se de uma “ideia geral, sem alicerce na realidade”.

Por isso, as ONG apelam à Direcção Regional do Ambiente e Alterações Climáticas (DRAAC), autoridade a quem compete a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), que emita uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) desfavorável, para que o projecto não vá para a frente. “Não acreditamos que a Direcção Regional do Ambiente vá viabilizar um EIA e um projecto tão negativo”, diz Domingos Leitão, deixando um aviso. Se o estudo não tiver um parecer desfavorável, as associações vão ponderar apresentar uma queixa na Comissão Europeia e na UNESCO.

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