CDS – um congresso inevitável
Ao contrário do que querem fazer crer alguns comentadores, o CDS não tem um problema ideológico, nem doutrinário. Sempre houve espaço para os democratas-cristãos, os mais liberais ou os mais conservadores, como é o meu caso. Esse, nunca foi o problema do CDS.
Em política, o que parece é. A velha máxima de acordo com a qual, em política, a percepção pública de uma determinada realidade acaba sempre por se impor ajusta-se como uma luva ao momento actual do CDS.
Na verdade, independentemente das escolhas, mais ou menos acertadas, e das intervenções, mais ou menos felizes, gerou-se na opinião pública a ideia de que o partido vive um momento de enorme dificuldade, ou mesmo de risco de sobrevivência.
Sabemos que as sondagens “valem o que valem”, mais uma velha máxima, mas a repetição de projecções negativas, enfatizou esta ideia.
O CDS, na minha opinião, não deve ignorar o facto de, não obstante ter apoiado o candidato vencedor nas eleições presidenciais, ter, ao mesmo tempo, visto surgir uma ondinha liberal (nada do que os próprios esperavam ou anunciavam) mas, sobretudo, ter visto um tsunami de eleitores descontentes entregarem o seu voto a uma candidatura populista de um partido à sua direita. Isso, por si só, obrigaria a uma reflexão e a uma reacção. Negar o problema é sempre um erro.
As eleições presidenciais obrigariam não só o CDS como todo o centro direita a uma reflexão profunda e a uma reorganização que leve a uma perspectiva de crescimento e de alternativa ao PS e àquele que é, em pandemia, o pior Governo da nossa democracia. Mas não nos iludamos. O CDS para contar nessa alternativa, depois dos maus resultados de 2019, terá de fazer uma “prova de vida” ou pelo menos de vitalidade, indo a votos, demonstrando assim sua força e a sua utilidade. Não basta acobertar-se em soluções de coligação ou em candidaturas suprapartidárias. E é nesse sentido que considero útil envolver todos, independentemente da sua história ou da sensibilidade de cada um, nesta reflexão estratégica. Tal só será possível com a antecipação e a realização de um congresso extraordinário. Não podemos fazer política de avestruz e ignorar a realidade.
A esta necessidade não são estranhas a ruptura e as demissões na cúpula do partido, incluindo do seu primeiro vice-presidente decisivo na altura do congresso, com os seus 15% para que a solução encontrada fosse maioritária. E não foram as primeiras saídas ou demissões.
Como também não terá sido estranho o surgimento de desafios à liderança, como aquele que foi protagonizado por Adolfo Mesquita Nunes.
Sem juízos de valor e mantendo uma postura institucional de estrita defesa do interesse do partido, creio sinceramente que estes acontecimentos internos e a tensão que geram são e devem ser interpretados como sinais de vitalidade do próprio CDS. O partido questiona-se, portanto existe.
Contra factos não há argumentos e os factos justificam o congresso para que esse amplo debate possa ocorrer e a partir dele o toque a rebate seja possível. Independentemente dos já anunciados putativos candidatos, da recandidatura do actual presidente, ou de outros que ainda possam estar a pensar nisso. Mas depois das eleições, das demissões e das discussões, se não se devolver a palavra a todos os militantes, qualquer solução ficará coxa. Não significa isto nenhum menor respeito, pelo actual presidente do partido ou pela sua legitimidade, mas tão só a ideia de que, nestas circunstâncias, o congresso é inevitável.
Deste ponto de vista, não concordo de todo com o meu estimado companheiro de partido José Ribeiro e Castro que recentemente veio afirmar que o problema das movimentações internas era uma questão de inaceitável “premeditação”. Mas haverá acção política digna desse nome sem que primeiro se premedite? Não é suposto? Se calhar é ou foi, agora como noutros tempos, esse o problema.
Menos razão tem ainda quando, num artigo de opinião, usa um registo cinematográfico célebre — A Golpada — para, mais uma vez, fazer um acerto com a sua própria história. Como é possível chamar-se golpada ao exercício de um direito político básico como seja os conselheiros nacionais pedirem um congresso, previsto no art.º 27.º, n.º 2, dos Estatutos?
Tudo aquilo de que o partido não precisa é de uns contra os outros, dirigentes contra deputados, envolvendo inclusivamente quem, como eu, não tinha mexido uma palha. E nada mais disparatado do que andar à procura de culpados. Culpados somos todos, sobretudo os que estiveram sempre e nunca abandonaram.
Com este tipo de raciocínio receio até que possa estar a aconselhar mal e, sobretudo, a aconselhar o filme errado. E que em vez de A Golpada nos ponha a ver O último imperador, de Bernardo Bertolucci. Será um erro se o CDS e o seu presidente se fecharem no reduto de uma cidade proibida virtual alheios à realidade do que diz a sociedade e a uma realidade política que exige respostas imediatas. Ainda que pensadas e premeditadas.
Curiosamente, nunca como hoje se sentiu a falta e a necessidade de um partido da direita não dogmática, mas firme e moderada, enquanto resposta às utopias e aos radicalismos populistas. Esse deve ser o ponto de partida. Ao contrário do que querem fazer crer alguns comentadores, o CDS não tem um problema ideológico, nem doutrinário. Sempre houve espaço para os democratas-cristãos, os mais liberais ou os mais conservadores, como é o meu caso. Esse nunca foi o problema do CDS.
Mas, confrontado com o momento actual e perante os factos políticos inegáveis que descrevi, o CDS tem dois caminhos possíveis: ou nega a realidade e continuará enredado em quezílias à procura de um purismo inexistente ou de “um segredo original” que nunca existiu; ou, pelo contrário, procura o debate de ideias e a clarificação como forma de unir e procurar um novo impulso que o prepare para o combate político.
Como temos visto a propósito desta pandemia que assola o país, adiar o inevitável é sempre um erro. E é por isso que, quaisquer que venham a ser as decisões dos próximos dias, há um facto que me parece incontornável: a realização de um congresso antecipado.